Em matéria publicada nesta segunda-feira, 29, artigo do jornal O Estado de S. Paulo voltou a defender que as aposentadorias e pensões sejam desvinculadas do salário mínimo. Essa medida, porém, pode empobrecer ainda mais 26 milhões de aposentados, aposentadas e pensionistas – dois terços dos quase 40 milhões totais.
O Brasil tem hoje 39,25 milhões de aposentados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), dos quais 26,28 milhões recebem até um salário mínimo. O governo Lula (PT) vinculou os valores das aposentadorias ao salário mínimo pago aos trabalhadores e trabalhadoras da ativa. Este por sua vez, voltou a ter uma política de valorização real, que considera a variação da inflação do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores. Com isso, o salário mínimo passou de R$ 1212 no final do governo de Jair Bolsonaro (PL) para R$ 1.412 em 2024. Em janeiro, quando foi divulgado o mais recente reajuste, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), estimou que o aumento beneficiaria 59,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, entre ativos e aposentados.
O presidente Lula (PT), porém, já disse que não fará essa desvinculação. Mas o alerta continua mesmo assim, já que as pressões se ampliam e até mesmo integrantes do governo já falaram com simpatia sobre essa possibilidade – caso da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.
Entrevistado vê “efeitos positivos” na reforma de Bolsonaro
Na matéria publicada nesta segunda, o jornal lamenta que as políticas de valorização do salário mínimo e das aposentadorias restrinjam o que seriam efeitos positivos da reforma da Previdência aprovada em 2019 – e que dificultou ou impossibilitou a aposentadoria de milhões de brasileiros e brasileiras. Um dos entrevistados, Fabio Giambiagi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não há “uma única conta de avaliação prévia que justificasse a nova política [de valorização real]”. Para ele, não há “nada de errado” com a reforma de 2019, aprovada por Bolsonaro, e o que prejudica é a valorização do mínimo e, especialmente, a vinculação com as aposentadorias.
Em junho, Giambiagi lançou um livro sobre Previdência junto com Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social. Tafner, fonte recorrente dos grandes jornais para defenderem medidas como essa – e até mesmo uma nova reforma previdenciária – também aparece na matéria desta segunda. Tafner é um dos pais da reforma da Previdência de Bolsonaro, depois de ter apoiado a proposta de Michel Temer (MDB) que acabou derrotada.
Reforma de 2019 aumentou idade mínima e contribuições, entre outros ataques
Apresentada e sancionada por Bolsonaro, a reforma da Previdência de 2019 trouxe um pacote de ataques aos trabalhadores e trabalhadoras da ativa e aposentados. Aumentou, por exemplo, o tempo de contribuição e a idade mínima para aposentadoria. Ao mesmo tempo, piorou a forma de cálculo dos benefícios previdenciários e aumentou as alíquotas.
“Desvinculação será grave para famílias inteiras”, diz pesquisadora; 70% dos municípios dependem de recursos de aposentados
Os grandes jornais entrevistam praticamente só especialistas e políticas que defendem esse tipo de agenda, derrotada nas eleições de 2022. Mas pesquisadores alertam para os efeitos devastadores de uma possível desvinculação. A pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Deise Lilian Lima Martins, por exemplo, escreveu um artigo recentemente no Le Monde Diplomatique no qual aponta que, caso uma proposta como essa avance, “é certo que haverá uma enorme catástrofe para o patamar protetivo previdenciário das trabalhadoras e trabalhadores, especialmente para as pessoas que ao longo de sua vida contributiva aportaram baixos valores. E essa desvinculação será grave não apenas se considerarmos cada segurado da Previdência, mas será muito mais grave para famílias inteiras que dependem dos benefícios previdenciários para sobreviver”.
Ela toma por base estudos como o de Júlia Lenzi Silva, professora da USP, que, em entrevista à Rádio USP, disse que o debate em torno da medida é pautado por uma “miopia econômica”: “Nós temos várias pesquisas, dentre elas um estudo histórico da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, que comprovam que os benefícios previdenciários são o principal instrumento de aquecimento das economias municipais. Mais de 70% dos municípios brasileiros dependem fundamentalmente do dinheiro que a Previdência repassa ao seu segurado. Então, na verdade, fazer caber o trabalhador no orçamento não é só uma questão de direitos individuais, mas está assentado na perspectiva de sustentabilidade econômica”, afirmou.
Foto/Crédito: Reprodução / SINTRAJUFE/RS
Fonte: https://sintrajufe.org.br/desvinculacao-entre-salario-minimo-e-aposentadoria-tao-defendida-pelo-mercado-e-alguns-jornais-pode-prejudicar-diretamente-dois-tercos-dos-aposentados/