JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL E CLIMÁTICA SEM AS MULHERES É MERO JOGO DE PALAVRAS
A Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB participa da Cúpula dos Povos rumo a COP-30 reafirmando seu compromisso ético e histórico com a defesa da vida das mulheres e da justiça socioambiental e climática, desde uma perspectiva feminista antipatriarcal, antirracista e anticapitalista, sem a qual é impossível pensar em alternativas com condições reais de enfrentar a gigantesca destruição socioambiental vivida no planeta e nas nossas vidas concretas, neste momento.
Falamos a partir de nossos corpos, que são nossos territórios existenciais e, desde os contextos em que vivemos, há séculos alvos e lugares de resistências às violências patriarcais racistas capitalistas. E hoje, na atual etapa do capitalismo, marcada pela financeirização da vida e dos bens comuns (água, energia, terra, ar, fauna e flora), denunciamos a escalada de destruição que se alastrou por todos os biomas brasileiros e do mundo, e extrapola os limites de uma crise climática. Trata-se de um tempo de destruição profunda, pois o que chamam de “crise climática” já não é apenas uma emergência ambiental — é a própria forma como o capitalismo predatório opera, explorando terras, corpos e saberes, precarizando o trabalho, aprofundando a miséria e tratando a vida toda como mercadoria.
Devastar florestas, contaminar rios, invadir territórios e destruir modos de vida não são tragédias naturais. São ações intencionais realizadas em nome do lucro, em detrimento da dignidade humana e dos direitos da Terra. São as formas como os agentes dessa crise avançam sobre nossas vidas, concentrando riquezas e espalhando destruição.
A especulação imobiliária enche de concreto as cidades e impede a água de escoar; o agronegócio seca os rios e envenena o solo; a mineração explode montanhas e envenena comunidades. Então, secas, escassez de alimentos, racionamento d’água, assoreamento de rios, contaminação da terra, savanização das florestas, adoecimentos físico e mental, chuvas intensas, deslizamentos de morros, enchentes, poluição do ar, etc., são as consequências mais imediatas desse modelo no planeta. Todavia, elas são vividas de forma bastante desiguais no cotidiano das populações mais vulnerabilizadas em todos os biomas, entre as quais estamos nós mulheres, seja do campo, águas ou das florestas e cidades.
Esse modelo, em guerra contra tudo que é vivo, porque é um projeto de morte, ecoa pelos povos do mundo inteiro, devastando áreas protegidas e territórios, no campo e nas cidades, de povos originários e comunidades tradicionais, florestas e mares. Em nome do lucro e, em detrimento da vida, ele se impõe, sobretudo, sobre a dignidade humana, impactando negativamente as condições de vida das populações e da natureza e, comprometendo o acesso aos direitos e as possibilidades de vida não somente das gerações presentes, mas principalmente, das do futuro de toda humanidade.
Isso só piora com a ofensiva da extrema-direita que se espalha pela América Latina e pelo mundo, aumentando desigualdades e violências e, retrocedendo direitos, sobretudo no âmbito de ações de mitigação e adaptação global para enfrentar os efeitos climáticos extremos sobre nós mulheres. Por isso, é imprescindível o consenso e a consolidação de ações globais em um plano para igualdade de gênero e racial, uma vez que são esses os grupos sociais mais afetados pela crise climática em curso e que atinge mais significativamente quem vive no Sul global.
Importante rememorar que a história do colonialismo e da escravização é também a história da destruição deliberada dos povos e dos territórios — a base sobre a qual se construiu o capitalismo moderno. É uma estrutura de poder fundada no roubo de nossas riquezas, explorando e dominando os corpos das pessoas negras de África e populações indígenas. Um poder que espoliou e segue desapossando as terras e os modos de vida dos povos originários do Brasil.
Desde então, nossos territórios e, mesmo os corpos de nós mulheres, têm sido tratados como “zonas de sacrifício” — lugares onde tudo pode ser tirado: a madeira, o minério, a água, o trabalho, a vida. E hoje isso se realiza desapossando populações inteiras de seus territórios em nome de uma proposta de desenvolvimento baseada na “economia verde”, que se instala e se apossa das comunidades, das suas riquezas, transformando paisagens em parques de energia eólica e data centers que sugam enormes quantidades de água potável e devoram os territórios para produzir energia que sequer chegará às populações nativas desapossadas.
As guardiãs da terra, aquelas que interpelam e confrontam esses projetos, são tomadas como “obstáculos ao progresso”, inimigas do desenvolvimento e da segurança nacional pelos agentes do capital. São esses que promovem ondas de intimidação e criminalização das lideranças e comunidades que protegem a natureza, aumentando a tensão e a violência nos territórios na mira dos interesses dos conglomerados empresariais. E isso só possível porque conta, muitas vezes, com a atuação de parlamentares alinhados ao capital financeiro e, com a anuência omissa dos aparelhos de segurança e justiça do Estado, que não atuam para proteger o povo, todos os poderes invisíveis que lucram com a morte das pessoas. É a necropolítica em sua mais fina operação.
Há décadas, assistimos à financeirização da natureza — quando florestas, rios e até o ar são transformados em ativos de mercado, como se pudessem ser comprados e vendidos. Enquanto dizem “proteger o planeta”, com propostas alternativas e ideias de transição energética “limpa” ou “verde”, criam novos negócios em cima da destruição. É exemplo os megaprojetos eólicos e solares, e a monocultura da soja, que ocupam territórios e maretórios e ameaçam os modos de vida. Chamam de solução o que é mais uma forma de controle, expulsão e lucro.
É urgente operarmos uma transição energética, que seja justa, popular e com soberania, capaz de potencializar a construção do bem viver para todas as pessoas, começando pelas mais impactadas e vulnerabilizadas, como nós mulheres. Todavia, não se trata só de energia e de carbono. Precisamos fazer outras transições, para outros sistemas, do contrário a justiça socioambiental e climática serão apenas belas palavras.
O planeta está no limite! A vida na Terra está ameaçada! Não temos alternativa a não ser enfrentar essa crise. Mas, para isso, não bastam promessas nem conferências dominadas por corporações, muito menos um modelo de financiamento negociado em nome do clima, mas que só acentua as desigualdades e violências nos biomas brasileiros – Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal, Pampa e Mares. É preciso mudar a base da economia e o modo como o mundo é governado, colocando no centro os povos e a natureza, não os lucros! É preciso considerar as estratégias que já estão em prática pelos povos e pelas mulheres em cada bioma. Nós somos parte da solução!
Energia limpa, verde ou o nome que queiramos dar, não pode nascer de reiterações ou de novas violências. Rejeitamos as práticas políticas que usam o dinheiro público para manter privilégios, enriquecer poucos e destruir territórios. Não aceitaremos que a emergência climática sirva de desculpa para novos ataques aos bens comuns e às políticas sociais. A vida pede coragem, não mais promessas vazias!
Pela vida dos biomas! Temos o direito de existir em todos os territórios!
Pelo direito de viver outros modos de vida, solidários e em harmonia com a natureza!
Pela vida de todas as mulheres! Porque quando o mundo mudar para nós, sobretudo para as racializadas, periféricas, lbtqiapn+, ela mudará para toda humanidade.
ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS
Belém (PA), novembro de 2025 — Cúpula dos Povos rumo à COP30





