sexta-feira, 21 novembro, 2025
spot_img

COP30: a urgência de enfrentar o racismo ambiental e seus impactos

O debate sobre racismo ambiental ganhou força na COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), em Belém, mas especialistas reforçam que o tema precisa ultrapassar os limites das conferências globais e se firmar como pauta diária de políticas públicas, movimentos sociais e instituições. A expressão, que relaciona desigualdade racial à distribuição injusta de riscos ambientais, revela como comunidades negras, indígenas e populações tradicionais são historicamente mais expostas a enchentes, poluição, desmatamento e ausência de serviços básicos.

Para a psicóloga Andresa Barros, Responsável Técnica pelo setor de Psicologia do Programa Defensores dos Defensores do Instituto Internacional ARAYARA, essa realidade “expõe a urgência de garantir que as populações mais afetadas por essas violências não sejam apenas convidadas a ‘participar’, mas assumam posições de protagonismo real”.

Ela, que também coordena o Núcleo Maranhense da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) (ANPSINEP/MA), é cofundadora do GT de Relações Étnico-Raciais do Conselho Regional de Psicologia do Maranhão e especialista em Saúde Coletiva pelo Centro Universitário Celso Lisboa, explica que “estar presente na COP é, sem dúvida, um avanço simbólico e político relevante”, mas que a “transformação só será possível quando essas populações tiverem acesso efetivo às instâncias estratégicas de decisão”.

“Todo recurso mobilizado em nome da ação climática deve obrigatoriamente incorporar as vozes, prioridades e estratégias já construídas por essas comunidades, que há décadas sustentam suas existências com inteligência coletiva, organização territorial e saberes próprios. Ignorar essa estrutura cotidiana é reproduzir as mesmas injustiças que o discurso climático diz querer combater”, destaca Andresa Barros.

Segundo Barros, o racismo ambiental não é um conceito abstrato: é vivido diariamente por milhões de pessoas que sofrem seus efeitos. Ela destaca que “populações historicamente excluídas seguem enfrentando impactos climáticos desproporcionais, que aprofundam as iniquidades já existentes e colocam comunidades inteiras em risco”. Para a psicóloga, apesar da existência de políticas públicas voltadas ao meio ambiente e à igualdade racial, “quase nenhuma reconhece essa intersecção”.

Andresa Barros, coordenadora do Núcleo Maranhense da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os). Foto: Arquivo Pessoal

A psicóloga reforça que “essa omissão institucional expõe o quanto ainda precisamos avançar na incorporação de uma perspectiva interseccional e antirracista na formulação de políticas públicas”. Andresa Barros também afirma ser indispensável garantir a “participação real, e não apenas simbólica, das comunidades tradicionais nas decisões que afetam seus territórios/maretórios e modos de vida”.

“A invisibilização do racismo ambiental, muitas vezes, funciona como estratégia para adiar ou bloquear debates sobre regularização fundiária, proteção territorial e garantia de direitos. Reconhecer essa dinâmica é fundamental para transformar estruturas, reformular políticas e criar novas ferramentas capazes de enfrentar, de fato, as injustiças climáticas e sociais que atravessam o país”, pontua ela.

Para a coordenadora do Núcleo Maranhense da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os), “as vozes de comunidades historicamente excluídas têm o potencial de influenciar de forma direta e qualificada a elaboração de políticas de adaptação, desde a gestão hídrica e a construção de infraestruturas adequadas até o fortalecimento de sistemas de proteção a defensores socioambientais”. Ela destaca que, quando esses grupos participam ativamente do processo decisório, “as políticas tornam-se mais afinadas com as realidades territoriais, sociais e culturais das regiões mais vulneráveis”.

“Valorizar os conhecimentos tradicionais, como de povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e pequenos agricultores é fundamental para o desenvolvimento de soluções realmente sustentáveis. Nossas práticas ancestrais de manejo territorial, agricultura de base ecológica, uso responsável da água e preservação dos ecossistemas têm demonstrado, ao longo de gerações, uma resiliência que muitas vezes supera as abordagens técnicas convencionais. Integrar esses saberes aos planos de adaptação e mitigação significa reconhecer que a inovação climática nasce das experiências locais e do conhecimento acumulado pelos povos que há séculos convivem com a necessidade de adaptação”, enfatiza a especialista.

Na COP30, o racismo ambiental aparece com intensidade nas discussões sobre justiça climática. As delegações ressaltam que a crise do clima não afeta todos da mesma forma: quem menos contribui para o aquecimento global é justamente quem mais sofre suas consequências. Barros afirma que esta edição da COP, em Belém, pode “marcar um momento histórico ao incluir, pela primeira vez, o reconhecimento de povos afrodescendentes nos textos oficiais das negociações climáticas da ONU”.

Segundo a cofundadora do GT de Relações Étnico-Raciais, o termo aparece nos rascunhos das decisões de alguns setores, embora sua permanência dependa da aprovação unânime entre os países. Para Andresa Barros, “isso explicita que nem toda participação se converte automaticamente em poder decisório e que a criação de comissões ou fóruns não garante que propostas serão implementadas, financiadas ou sequer consideradas”. Ainda assim, segundo ela, “mesmo que o cenário ideal esteja longe, os avanços registrados são inegáveis. A multiplicidade de agendas paralelas construídas por comunidades tradicionais já constitui, por si só, um marco histórico da conferência”.

“A verdadeira COP começa agora”

Embora conferências como a COP30 ampliem a visibilidade do tema, para a psicóloga, o momento é de urgência, mas também de oportunidade. “Justiça climática e racismo ambiental ganharam destaque, revelando que a crise climática não é apenas ecológica, mas também social, política e racial. Esse movimento pressiona governos e instituições a ir além de medidas pontuais e a construir reparações e transformações estruturantes”, resume — ideia que ecoa além das salas de negociação da COP30 e aponta para o desafio permanente de construir sociedades mais justas, diversas e sustentáveis.

A cofundadora do GT de Relações Étnico-Raciais conclui afirmando que, para ela, a “verdadeira COP começa agora”, com a sustentabilidade do que foi construído se transformando em ações concretas. “É por isso que nossa atenção se volta, com urgência, à efetivação dos mecanismos prometidos. Somente assim garantimos que o impulso político conquistado na COP não se esvazie ao término do evento, mas se converta em mudanças reais, duradouras e justas”, finaliza.

Por Andressa Ferreira/DOL

Foto/Crédito: Arquivo Pessoal / Reprodução / DOL

Fonte: https://cop.dol.com.br/amazonia/cop30-a-urgencia-de-enfrentar-o-racismo-ambiental-e-seus-impactos/10400/

 

Latest Posts

spot_imgspot_img
spot_imgspot_img

ÚLTIMAS NOTÍCIAS