Autonomia ou privatização? Como a PEC 65/2023 pode ser um Cavalo de Troia que destrói o Pix Maior avanço em inclusão financeira do Brasil
Introdução
A Proposta de Emenda à Constituição 65/2023, que visa transformar o Banco Central do Brasil (BCB) em entidade de direito privado e constitucionalizar o Pix, representa uma mudança estrutural com profundas implicações para o sistema financeiro nacional. O Pix, criado como política pública inovadora, tornou-se um instrumento crucial para inclusão financeira, democratizando o acesso a serviços bancários e reduzindo custos para milhões de brasileiros. No entanto, a combinação entre a mudança do BCB para entidade de direito privado e a rigidez constitucional do Pix pode comprometer sua eficácia, abrindo espaço para riscos como captura por interesses privados, obsolescência tecnológica e perda de soberania monetária.
A experiência internacional oferece lições valiosas sobre os perigos de transferir o controle de sistemas de pagamento para o setor privado. Modelos como o Zelle (EUA) e o Alipay (China) demonstram como a monetização de serviços essenciais pode excluir populações vulneráveis e concentrar o mercado em poucos players. Em contraste, sistemas públicos como o UPI indiano mostram que é possível conciliar inovação, gratuidade e inclusão quando a governança mantém foco no interesse coletivo. O Brasil, ao adotar um caminho híbrido ou privatizado, arrisca perder os avanços conquistados pelo PIX, substituindo-os por um modelo fragmentado e menos acessível.
Este documento examina criticamente os riscos associados à PEC 65/2023, destacando como a mudança no status jurídico do BCB pode minar a natureza pública do Pix e fragilizar a capacidade do Estado de promover políticas de inclusão financeira. Além disso, propõe alternativas para preservar os princípios fundamentais do sistema, como sua gratuidade e universalidade, sem sacrificar a necessária flexibilidade para inovações tecnológicas. A análise baseia-se em exemplos internacionais e na estrutura atual do Sistema de Pagamentos Brasileiro para alertar sobre os perigos de abandonar um modelo que tem sido um caso de sucesso global.
O relatório do Senador Plínio Valério sobre a PEC 65/2023 propõe alterações significativas no regime jurídico do Banco Central do Brasil (BCB), transformando-o em uma “pessoa jurídica de direito privado integrante do setor público financeiro”. Paralelamente, inclui o Pix como competência exclusiva do BCB, blindando-o constitucionalmente. Embora a intenção de preservar o Pix seja legítima, a combinação dessas medidas apresenta riscos estruturais que demandam análise crítica, especialmente no que tange à captura pelo mercado, obsolescência tecnológica, perda de soberania financeira e comprometimento de políticas públicas de inclusão.
Impropriedade da Constitucionalização do PIX em um BCB de Direito Privado
Contradição institucional: A transformação do BCB em pessoa jurídica de direito privado cria uma contradição estrutural entre sua missão pública e os imperativos de mercado. Como entidade privada, mesmo que com finalidade estatal, o Banco Central passaria a operar sob pressões contraditórias: de um lado, o dever constitucional de garantir a estabilidade monetária e a inclusão financeira; de outro, a lógica inerente ao direito privado de maximização de resultados e eficiência financeira. Essa esquizofrenia institucional seria particularmente nociva para o Pix, cujo valor social deriva justamente de sua natureza pública – gratuidade, universalidade e neutralidade tecnológica. A história econômica está repleta de exemplos onde essa dualidade levou à captura regulatória: desde agências setoriais que passaram a servir aos regulados em vez do interesse público, até sistemas de pagamento que, sob gestão privada, tornaram-se instrumentos de concentração de mercado. O Pix brasileiro, hoje um mecanismo de democratização financeira sem paralelo no mundo, poderia degenerar em mais um produto financeiro sujeito às mesmas distorções que hoje criticamos nos cartéis de meios de pagamento – com taxas ocultas, exclusão de pequenos players e priorização de clientes rentáveis. A verdadeira inovação do Pix reside precisamente em ter rompido com essa lógica, provando que eficiência técnica e interesse público podem coexistir quando a governança mantém clara subordinação aos objetivos nacionais.
A PEC 65/2023, ao conferir autonomia financeira ao BCB e transformá-lo em entidade de direito privado, cria um cenário perigoso de captura do PIX por interesses de mercado. A experiência internacional demonstra que quando sistemas de pagamento caem sob controle de conglomerados financeiros, mesmo que mantendo aparência de universalidade, os resultados são taxas elevadas e exclusão de segmentos menos rentáveis. O caso do duopólio Visa/Mastercard é paradigmático: apesar de sua ampla cobertura global, as altas taxas de intermediação (que chegam a 3% por transação) oneram significativamente comerciantes e consumidores finais. Esse modelo contrasta radicalmente com o sistema indiano (UPI), mantido sob gestão pública pela NPCI, que preserva gratuidade para usuários e completa interoperabilidade entre instituições – um fator crucial que permitiu incluir milhões de indianos não bancarizados no sistema financeiro formal.
Riscos de Obsolescência Tecnológica e Fragmentação do Sistema de Pagamentos. A constitucionalização do Pix, embora bem-intencionada, pode ter o efeito paradoxal de asfixiar sua capacidade de inovação e, no médio prazo, abrir espaço para a proliferação de alternativas privadas não gratuitas. Ao cristalizar seu modelo atual na Constituição, o Brasil correria o risco de criar um sistema rígido, incapaz de se adaptar com a necessária agilidade às transformações tecnológicas – como a ascensão de criptomoedas regulamentadas, contratos inteligentes ou novos protocolos de segurança. Essa rigidez regulatória criaria um vácuo que seria rapidamente preenchido por soluções privadas, mais ágeis para incorporar inovações, mas naturalmente orientadas para a monetização de serviços. O cenário não é hipotético: nos EUA, a ausência de um sistema público robusto permitiu que o FedNow (do Federal Reserve) fosse lançado tardiamente, quando o mercado já estava dominado por soluções privadas como Zelle, Venmo e PayPal – todas com modelos de negócio baseados em taxas e limitações de acesso. No Brasil, poderíamos testemunhar um processo similar, onde fintechs e grandes bancos desenvolveriam “Pix’s privados” com funcionalidades premium, enquanto o sistema público, engessado por amarras constitucionais, ficaria tecnologicamente defasado. Essa fragmentação levaria à exclusão digital de parcelas da população incapazes de arcar com serviços pagos, revertendo os avanços históricos de inclusão financeira conquistados pelo Pix.
Caso o PIX se torne tecnologicamente defasado, o BCB – sob nova natureza privada – poderá recorrer a soluções terceirizadas, seguindo o modelo já adotado em outros componentes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Hoje, operações como TED, DOC e liquidação de cartões dependem da infraestrutura privada da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), uma associação civil que processa transações essenciais. Esse precedente mostra como, mesmo em sistemas estratégicos, o Brasil já opera em modelo híbrido público-privado. No caso do Pix, a terceirização poderia levar à transferência de sua operação para empresas ou consórcios privados – nacionais ou internacionais – alterando radicalmente seu atual modelo público e integrado. Essa transição representaria uma ruptura com a inovação que tornou o Pix único: seu desenvolvimento e gestão direta pelo BCB, garantindo controle público sobre uma infraestrutura crítica. O risco não é teórico, mas sim um desfecho provável caso a governança do sistema migre para lógicas de mercado.
Perda de Soberania Financeira e Inclusão
A transformação do BCB em entidade de direito privado representa um risco concreto à capacidade do Estado brasileiro de conduzir políticas monetárias estratégicas e promover a inclusão financeira. Ao transferir para uma lógica de mercado a gestão de instrumentos essenciais como o Pix e a regulação do sistema financeiro, o país abriria espaço para que interesses corporativos prevaleçam sobre objetivos públicos. Essa mudança enfraqueceria especialmente as políticas de inclusão, já que entidades privadas naturalmente priorizam rentabilidade sobre ampliação de acesso – como demonstram os casos de sistemas de pagamento controlados por conglomerados bancários em outros países, que marginalizam populações de baixa renda. A perda do caráter público do BCB limitaria ainda a capacidade de o Estado responder a crises com medidas não lucrativas, mas socialmente necessárias.
A aprovação da PEC 65/2023 colocaria em xeque a soberania brasileira para estabelecer parcerias internacionais em pagamentos digitais, especialmente em iniciativas como a integração do Pix com sistemas globais. A Índia, por exemplo, vem expandindo seu Unified Payments Interface (UPI) – considerado o sistema de pagamentos instantâneos mais avançado do mundo – por meio de acordos bilaterais com países como Singapura, Emirados Árabes e França. Se o BCB se tornar uma entidade de direito privado, o Brasil perderá a legitimidade para negociar diretamente com outros governos, já que tais acordos exigem contrapartidas regulatórias e de infraestrutura que só fazem sentido entre entidades públicas. Projetos em estudo, como a conexão entre Pix e UPI para criar um corredor de pagamentos internacionais acessível, ficariam inviabilizados, pois a Índia e outros parceiros naturais dificilmente aceitariam tratar com uma instituição cujos objetivos podem conflitar com interesses nacionais. O sucesso do UPI indiano como política de Estado oferece um contraste claro com os riscos da privatização do Pix. Desenvolvido e mantido pelo setor público, o UPI não só alcançou 40% dos pagamentos digitais na Índia, como também se tornou um instrumento de soft power, com o governo compartilhando sua tecnologia com nações em desenvolvimento. Essa abertura gerou benefícios mútuos: redução de custos para indianos no exterior e fortalecimento do rupee como moeda de comércio regional. O Brasil, ao transformar o BCB em entidade de direito privado, abriria mão dessa capacidade de projetar influência por meio de sua moeda digital – além de submeter o Pix a pressões por monetização que podem corroer sua gratuidade e universalidade. Enquanto a Índia usa seu sistema para integrar economias regionais, o Brasil correria o risco de ver o Pix se tornar mais um produto financeiro sujeito às limitações do mercado, perdendo o potencial de ser uma alavanca para desenvolvimento e inserção internacional.
Outro risco concreto decorrente da mudança do BCB para entidade de direito privado e da possível fragilização do PIX como política pública diz respeito às crescentes pressões geopolíticas sobre o sistema brasileiro. Recentemente, os Estados Unidos incluíram o Pix numa investigação comercial sob a infundada alegação de concorrência desleal, argumentando que seu modelo público e gratuito representaria uma distorção de mercado – uma crítica claramente alinhada aos interesses de suas grandes empresas de pagamentos, como Visa e Mastercard. Caso o BCB seja transformado em entidade de direito privado, essas pressões externas ganhariam força, pois o governo brasileiro perderia capacidade de defender seu sistema como política de Estado legítima. A experiência internacional mostra que quando sistemas nacionais de pagamento ficam sob controle privado, tornam-se vulneráveis a disputas comerciais e até a sanções – como ocorreu com o sistema SPFS russo após as restrições ocidentais. Manter o Pix como infraestrutura pública soberana é essencial para proteger o Brasil dessas interferências estratégicas, que muitas vezes usam argumentos econômicos para avançar interesses geopolíticos.
A eventual privatização da gestão do Pix introduziria um risco concreto de fragmentação do sistema e dependência de intermediários financeiros, onerando as transações que hoje são gratuitas e diretas entre usuários. Atualmente, a arquitetura do Pix permite transferências instantâneas sem intermediação bancária, um diferencial crucial que reduziu custos e ampliou o acesso a serviços financeiros. No entanto, sob um modelo privatizado – como ocorre com o Zelle nos EUA -, os bancos e instituições financeiras passariam naturalmente a atuar como gatekeepers do sistema, impondo taxas de intermediação ou criando assimetrias no acesso. O caso americano é emblemático: embora o Zelle seja apresentado como sistema “gratuito”, na prática os bancos cobram tarifas indiretas através de pacotes de serviços e mantêm controle sobre quais usuários podem acessar determinadas funcionalidades. Essa dinâmica já se manifesta no Brasil quando analisamos as perspectivas para os Pix agendado e parcelado, onde alguns bancos já vislumbram cobrança de tarifas. Uma gestão privatizada do Pix tenderia a aprofundar esta lógica, transformando o que hoje é um bem público em mais um produto financeiro sujeito à rentabilidade dos intermediários, com sérios riscos de exclusão digital e financeira de pequenos comerciantes e populações de baixa renda.
O caso da Nigéria serve como alerta sobre os riscos de exclusão financeira e perda de soberania monetária que a PEC 65/2023 pode trazer ao Brasil. Quando o país africano privatizou parcialmente seu sistema de pagamentos instantâneos (NIP), transferindo parte do controle para bancos comerciais através da NIBSS (instituição de propriedade mista entre o banco central e o setor privado), cerca de 40% da população – principalmente em áreas rurais e de baixa renda – foi excluída do acesso aos serviços financeiros básicos. Embora tecnicamente eficiente, o modelo híbrido de gestão criou distorções: os bancos privados, buscando rentabilidade, priorizaram clientes com maior poder aquisitivo e impuseram barreiras de acesso que marginalizaram milhões de nigerianos. Esse exemplo demonstra como a proposta de transformar o BCB em entidade de direito privado pode reproduzir no Brasil os mesmos problemas – com o agravante de que, diferentemente da Nigéria, sequer manteríamos o controle público majoritário sobre o sistema. A experiência nigeriana comprova que quando instituições privadas ganham poder de decisão sobre infraestruturas financeiras críticas, os interesses comerciais inevitavelmente se sobrepõem às necessidades de inclusão e soberania monetária. No caso brasileiro, isso significaria não apenas a exclusão de milhões do Pix, mas também a perda da capacidade do Estado em usar o sistema como ferramenta de desenvolvimento econômico e social.
Recomendações para Mitigação de Riscos
Manter o BCB como Autarquia Pública: Evitar a natureza de direito privado, garantindo alinhamento com interesses nacionais. A transformação do Banco Central em uma entidade de direito privado, ainda que com finalidade estatal, introduz riscos significativos de desvio de sua missão pública essencial. Como autarquia, o BCB opera sob os princípios constitucionais da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade etc.), assegurando que suas decisões priorizem o interesse coletivo, e não eficiências mercadológicas. No Brasil, o BC sempre foi autônomo garantindo-se eficiência operacional sem renunciar ao controle social. A mudança para o direito privado, por outro lado, fragilizaria a governança democrática, expondo o BCB a conflitos de interesse — especialmente em áreas sensíveis como regulação do Pix e supervisão do sistema financeiro. Preservar seu status de autarquia é, portanto, condição indispensável para evitar a captura por agentes privados e assegurar que suas ações continuem alinhadas aos objetivos nacionais de estabilidade monetária e inclusão financeira.
Regular o Pix via Lei Ordinária: Mais flexível para atualizações tecnológicas, sem engessamento constitucional. A constitucionalização do Pix, embora bem-intencionada, criaria um entrave à necessária agilidade para adaptações tecnológicas e regulatórias que um sistema de pagamentos moderno demanda. Ao fixar suas regras na Constituição, qualquer evolução – como a incorporação de novas funcionalidades, padrões de segurança ou modelos de negócios – exigiria complexas reformas constitucionais, tornando o sistema lento e vulnerável à obsolescência. Em contrapartida, uma lei ordinária ofereceria o equilíbrio ideal: estabilidade jurídica suficiente para garantir os princípios fundamentais do Pix (como gratuidade para pessoas físicas e interoperabilidade), mas com flexibilidade para que o Congresso e o BCB possam atualizar suas regras conforme as demandas do mercado e avanços tecnológicos. Essa abordagem é comprovadamente eficaz em sistemas como o UPI indiano, regulado por legislação infraconstitucional, que permitiu sua rápida expansão e aprimoramento contínuo sem sacrificar sua natureza pública. No Brasil, onde inovações como pagamentos por QR Code dinâmico ou transações em blockchain podem se tornar necessárias, a rigidez constitucional seria um obstáculo – enquanto uma lei ordinária permitiria ao Pix manter-se na vanguarda, sem abrir mão de seu caráter inclusivo e acessível.
Criar Salvaguardas Contra Captura: Exigir transparência na governança do Pix e vedar parcerias que privilegiem grupos privados. A experiência internacional demonstra que sistemas de pagamento de sucesso requerem mecanismos robustos para prevenir a captura por interesses particulares. O Pix, como política pública estratégica para inclusão financeira, deve incorporar salvaguardas explícitas em sua governança para manter seu caráter democrático e acessível. Isto exige: (1) transparência radical nas decisões sobre taxas, acessos e inovações, com consultas públicas obrigatórias e divulgação de atas de deliberações; (2) cláusulas de barreira contra a formação de oligopólios, impedindo que grandes bancos ou fintechs dominem o comitê gestor do sistema; e (3) a proibição de parcerias público-privadas que transfiram o controle operacional ou decisório a entidades com fins lucrativos. O caso do sistema Zelle nos EUA serve de alerta: controlado por um consórcio bancário, tornou-se instrumento de concentração de mercado, com taxas ocultas e exclusão de pequenos competidores. Para evitar este destino, o marco regulatório do Pix deve vedar expressamente a terceirização de suas funções essenciais e estabelecer penalidades severas por discriminação no acesso. Só assim se garantirá que o sistema permaneça um bem público, imune à lógica predatória do mercado financeiro.
Dotar o BCB de recursos orçamentários suficientes para financiar projetos estruturantes e suas despesas de custeio, considerando o conjunto das atribuições do BCB ampliadas nos últimos anos. A crescente complexidade das atribuições do Banco Central do Brasil – que hoje abrangem desde a regulação do sistema financeiro até a operação de infraestruturas críticas como o Pix – demanda um modelo de financiamento robusto e previsível, capaz de assegurar sua autonomia operacional sem onerar o Orçamento Geral da União. Para tanto, sugere-se a criação de fontes de recursos específicas e estáveis, como fundos financeiros públicos não sujeitos a contingenciamentos, taxa de fiscalização do sistema financeiro, cobrada proporcionalmente do segmento regulado, entre outras possibilidades. Essa abordagem garantiria ao BCB capacidade de investimento contínuo em projetos estruturantes – como modernização de sistemas de pagamento, cibersegurança e inteligência artificial aplicada à supervisão –, além de cobrir despesas de custeio essenciais, como capacitação técnica e manutenção de infraestrutura crítica. Ao mesmo tempo, a vinculação dessas receitas a finalidades específicas, com controle externo pelo TCU e transparência na prestação de contas, preservaria a adequação à legislação fiscal e evitaria conflitos de interesse.
Conclusão
A análise da PEC 65/2023 revela que a transformação do BCB em entidade de direito privado, associada à constitucionalização do Pix, representa uma ameaça à soberania financeira do Brasil e aos avanços em inclusão social conquistados pelo sistema. A experiência internacional demonstra que modelos privatizados ou híbridos de pagamentos, como Zelle (EUA) e Alipay (China), tendem a priorizar rentabilidade em detrimento do acesso universal, criando barreiras para populações de baixa renda e pequenos negócios. Manter o Pix como política pública, com gestão transparente e alinhada ao interesse nacional, é essencial para preservar sua eficiência e equidade.
As recomendações apresentadas – como a manutenção do BCB como autarquia pública, a regulamentação do Pix via lei ordinária e a criação de salvaguardas contra a captura por grupos privados – oferecem um caminho viável para equilibrar inovação tecnológica e objetivos sociais. O exemplo do UPI indiano comprova que sistemas sob controle estatal podem ser ágeis, modernos e inclusivos, desde que dotados de mecanismos de governança robustos. O Brasil não deve abrir mão dessas lições em troca de um modelo que, sob a falsa premissa de eficiência, pode levar à fragmentação do sistema e à perda de controle sobre uma infraestrutura crítica para o desenvolvimento econômico.
A defesa do Pix como bem público estratégico transcende debates técnicos: é uma questão de soberania e justiça social. A pressão geopolítica recente dos EUA contra o sistema, sob alegações de “concorrência desleal”, expõe os riscos de ceder a interesses externos e corporativos. O caminho para o futuro deve ser o fortalecimento do BCB como instituição pública capaz de inovar sem privatizar, garantindo que o Pix continue a reduzir desigualdades – e não a ampliá-las. A escolha é clara: entre um modelo que serve ao mercado e outro que serve ao país, o Brasil não pode errar.
Com mais de 40% dos brasileiros dependendo, quase que exclusivamente, do Pix para transações diárias – incluindo pequenos comerciantes, trabalhadores informais e beneficiários de programas sociais – qualquer mudança em sua governança representa um risco direto à economia popular. Urge rever a proposta para evitar que este instrumento essencial de inclusão financeira seja comprometido por um modelo jurídico incompatível com sua natureza pública. Não podemos permitir que o Pix, conquista estratégica do povo brasileiro construída com recursos públicos, seja capturado por interesses corporativos internacionais ou por visões entreguistas que privilegiam o lucro de poucos em detrimento da soberania nacional. A história econômica recente – desde as tarifas abusivas dos cartéis de pagamento até a exclusão gerada por sistemas privatizados em outros países – demonstra os custos irreparáveis dessa submissão. Defender o Pix como bem público é garantir que o Brasil mantenha o controle sobre sua infraestrutura financeira crítica, resistindo a pressões externas e assegurando que a inclusão digital permaneça um direito universal, não uma mercadoria controlada por conglomerados financeiros globais.
Privatização Disfarçada: Como a PEC 65/2023 Ameaça o Futuro do Pix
Não discutimos, aqui, o futuro do Pix, mas, em essência, alertamos para o risco de uma privatização disfarçada de nossa principal infraestrutura de pagamentos. A proposta de transformar o Banco Central em uma entidade de natureza privada colocaria em risco o Pix como patrimônio nacional, um chamado que deveria unir as bancadas e correntes de diversos matizes políticos. Seja pela perspectiva do desenvolvimento econômico, da justiça social ou da soberania, preservar o modelo público do Pix e a natureza estatal do Banco Central é garantir que o Brasil mantenha o controle sobre seu próprio futuro financeiro. Esta é uma questão de projeto de nação. O Pix nos une; sua defesa deve nos unir ainda mais.
Foto/Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil
Foto/Crédito: Fonte: https://www.condsef.org.br/noticias/como-pec-65-2023-pode-entregar-nossa-soberania-financeira-interesses-privados