Plenária da Rede Sindical Amazônica debateu impactos da crise climática e reforçou que a transição justa deve proteger trabalhadores e comunidades nos territórios amazônicos
Durante as atividades da COP30 em Belém do Pará, a CUT participou, nesta quinta-feira (13) da Plenária da Rede Sindical Amazônica – A Amazônia também é feita de gente. O painel “Não haverá futuro para a Amazônia sem trabalho decente” debateu a realidade de trabalhadores frente à crise climática e aos desafios da transição justa nos territórios amazônicos. O encontro reuniu dirigentes sindicais do Brasil e de organizações internacionais, além de representantes de diferentes categorias, para discutir como a agenda climática afeta diretamente o mundo do trabalho e quais caminhos devem ser construídos pelo movimento sindical para enfrentar a precarização, garantir direitos e inserir a pauta climática nas negociações coletivas.
Para a mesa, foram convidados o procurador regional do Trabalho e procurador chefe da Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) 8ª Região (Pará e Amapá), Ideraldo Luís de Souza Machado; a diretora executiva da CUT Pará, Gisele Nunes, o presidente do Sindicato Nacional da Colômbia, Juan Sebastian, presidente do Sintrapulcar, principal sindicato que representa os trabalhadores do setor de papel e papelão na Colômbia; e a secretária regional de educação da ICM para América Latina e Caribe, Camila Aranha.
Ao discutir os desafios para a ação sindical no pós-COP30, o painel reafirmou que a transição justa – conceito hoje amplamente utilizado por governos, empresas e organismos multilaterais – nasceu de uma reivindicação histórica dos trabalhadores e precisa ser resgatada em seu sentido original: garantir que transformações econômicas e estruturais não deixem trabalhadores e comunidades para trás.
O secretário de Relações Internacionais da CUT, Antônio Lisboa, fez uma intervenção de encerramento considerada uma das falas mais fortes do evento. Ele resgatou a origem histórica do termo “transição justa”, lembrando que foi cunhado por trabalhadores norte-americanos há cerca de 50 anos, quando o movimento sindical exigiu medidas de proteção para quem perderia o emprego com o fechamento de fábricas poluentes.
Segundo Lisboa, esse sentido original tem sido esvaziado. “Cada um tem a sua ‘transição justa’. Tem latifundiário dizendo que é justo desmatar até a beira do rio para ganhar mais dinheiro. Para nós, não é isso. A transição justa foi criada pelos trabalhadores e tem que ser retomada por nós.”
Ele alertou que hoje até grandes corporações do setor extrativo afirmam praticar transição justa, enquanto ampliam desigualdades e impactos ambientais. Para Lisboa, é fundamental recuperar o protagonismo sindical
“Não há transição justa se não houver trabalho com direitos, que é a síntese do trabalho decente”, disse o dirigente. Ele destacou que a COP30 precisa fortalecer a organização dos trabalhadores na Amazônia e que o debate climático deve chegar ao cotidiano das comunidades e categorias profissionais.
A única chance de salvarmos o planeta – e quando digo planeta, digo humanidade – é que cada pessoa compreenda sua parte, mas também cobre dos que poluem mais e destroem mais
Lisboa defendeu ainda que os sindicatos incorporem a crise climática nas pautas de negociação coletiva, citando estresse térmico, impactos diretos no ambiente de trabalho e direitos associados às transformações produtivas. “É preciso colocar esses temas nas pautas. É na negociação coletiva que a gente se empodera para enfrentar o que nos atinge no dia a dia”, disse.
Ao concluir, destacou que a Amazônia é feita de gente e que a transição justa só terá sentido se proteger trabalhadores e comunidades. “Transição justa significa trabalho com direitos. É a nossa pauta, e temos que disputar esse conceito todos os dias no nosso local de trabalho.”
O Alerta do Direito e a Crítica à Política Sindical
O procurador regional do trabalho, Ideraldo Luís de Souza Machado, iniciou sua fala alertando sobre o divórcio entre a legislação e a conjuntura atual. Ele citou que “Se o direito ignora a realidade, a realidade se vinga e ignora o direito”. Machado enfatizou que a agenda ambiental não pode mais ser dissociada da relação de trabalho, pois o impacto dos problemas climáticos, causados pelo “meio de produção exacerbado”, é total, resultando em desemprego e devastação de empresas e cidades.
Machado defendeu que os sindicatos devem assumir o papel de “mediador entre a necessidade de preservação ambiental e os direitos dos trabalhadores”, reivindicando políticas públicas de requalificação, reconversão produtiva e proteção social. A reconversão produtiva significa fazer com que as empresas busquem a ciência para mudar seu modo de operar e tornar o ambiente de trabalho “saudável”.
Ele reforçou a necessidade de protagonismo sindical na agenda climática, a criação de um fórum sindical permanente da Amazônia legal e a incorporação de cláusulas de proteção contra o “calor extremo” nas negociações coletivas. Sua conclusão resumiu o espírito da luta: “A floresta em pé exige o povo em pé. Não pode existir floresta em pé sem o povo o com o povo decaído, despalperado, pobre. Então é floresta em pé e vive o povo de pé com trabalho decente e dignidade e direitos para todos”.
O Custo Humano do Calor e a Saúde Mental
Gisele Nunes, diretora executiva da CUT Pará trouxe a perspectiva da saúde e do cotidiano amazônida, onde a temperatura é “muito escaldante”. Ela denunciou a dificuldade em negociar com gestores que veem a proteção dos trabalhadores (EPI, como protetor solar ou camisas térmicas) como “custo para o patrão” e não como investimento.
Gisele narrou um caso emblemático de negligência: uma secretária de saúde no interior reconheceu que não conseguia ficar no sol, mas Gisele descobriu 28 Agentes Comunitários de Saúde (ACS/ACE) trabalhando sem EPI. A gestora admitiu: “Eu mesmo falei que não conseguiria estar naquela temperatura, mas não olhei o meu trabalhador”.
A sindicalista também alertou para o grande índice de adoecimento por saúde mental nos locais de trabalho, especialmente na saúde, e destacou como as mudanças climáticas já sobrecarregam o sistema público: a demanda por viroses e gripes aumentou, tornando-se mais grave (bronquite, pneumonia), exigindo campanhas de vacinação “o ano inteiro”. Como resultado direto do clima, trabalhadores rurais já estão mudando a jornada, indo para a roça “às três horas da manhã para voltarem às sete”.
Organização Internacional e Combate ao Neocolonialismo
Juan Sebastian, presidente do Sintrapulcar/Colombia, ressaltou que a Amazônia representa quase 50% do território colombiano e defendeu que o objetivo não é deixar de trabalhar na Amazônia, mas fazê-lo “de forma consciente e inteligente”.
Ele propôs que a COP 30 sustente o fortalecimento da participação sindical, a promoção da segurança e saúde no trabalho e a possibilidade de convenções coletivas para gerar trabalho decente. Juan Sebastião criticou multinacionais no setor florestal que se lucram de vastas áreas de selva, mas utilizam trabalhadores terceirizados sem proteção suficiente ou salário digno.
A estratégia é “dignificar o trabalho nestas regiões” e organizar os trabalhadores para uma estandardização positiva das condições laborais, permitindo acordos de desflorestamento e uso correto das terras, em benefício das comunidades indígenas e camponesas.
O Futuro da Rede Sindical Amazônica e o Programa de Trabalho Decente
Camila Aranha, secretária regional de educação da ICM para América Latina e Caribe, apresentou um panorama das atividades da Rede Sindical Amazônica (RSA), destacando o marco da “coletiva construção e aprovação do programa de trabalho decente para a Amazônia” em março de 2025.
Camila listou os principais desafios, como a “elevada informalidade”, a “precariedade em saúde e segurança no trabalho” e a “ausência ou até mesmo déficit de políticas públicas”. Suas estratégias focam no combate ao “racismo ambiental” e no “mapeamento das cadeias produtivas, sobretudo a cadeia de valor da madeira, para responsabilização dos envolvidos, para rastreabilidade”. Ela sublinhou a necessidade de legislação de devida diligência no Brasil e o uso de instrumentos internacionais.
A representante da ICM provocou a reflexão sobre a responsabilidade compartilhada na transição justa e propôs utilizar o espaço já existente da RSA – que abrange a Amazônia brasileira e internacional – para operacionalizar a demanda por um “fórum sindical permanente”.
Intervenções
O presidente da Força Sindical do Pará, Ivo Borges, afirmou que a transição justa na Amazônia esbarra em obstáculos estruturais como informalidade acima de 60%, pejotização e dificuldade extrema de negociação coletiva. Ele relatou situações de descumprimento básico de normas de saúde e segurança, inclusive na Região Metropolitana de Belém. “Tem trabalhador que não recebe nem copo para tomar água. Parece absurdo, mas é a realidade aqui”, disse o dirigente
Borges disse que, sem atuação firme dos poderes públicos, não há como falar em transição justa diante da precariedade. “Como fazer transição justa onde a maioria ganha salário mínimo e há mais gente no Bolsa Família do que com carteira assinada?”
Ele reforçou que os grandes projetos previstos para a região impõem maior organização sindical. “A Amazônia é feita de gente. O que está em jogo é trabalho, dignidade, moradia, educação e saneamento.”
O secretário-geral da Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM/BWI), Ambet Yuson, afirmou que não haverá futuro sustentável para a Amazônia sem trabalho decente. Ele destacou que temas como calor extremo, estresse térmico e planos de adaptação entraram na agenda oficial da COP30 graças à atuação brasileira e do movimento sindical.
“A mudança climática não é futuro. Está acontecendo agora, e os trabalhadores estão vivendo esses impactos todos os dias”, disse.
Ele anunciou que a experiência da Rede Sindical da Amazônia será referência para uma Aliança Sindical Global das Florestas, a ser lançada no congresso da ICM em São Paulo no próximo ano. “A Rede Sindical da Amazônia é só o começo. Vocês vão liderar uma aliança global para defender trabalho decente nas florestas do mundo inteiro.”
Yuson agradeceu reforçou que a vitória na agenda climática depende de organização. “Se não tivermos força sindical, não vamos vencer. Temos que recrutar, organizar e negociar transição justa em cada local de trabalho.”
Escrito por: André Accarini
Foto/Crédito: CUT / Reprodução
Fonte: https://www.cut.org.br/noticias/cop30-sindicatos-defendem-transicao-justa-para-a-amazonia-com-trabalho-e-direito-cc1f










