O Judiciário brasileiro está prestes a dar um passo além nos esforços para garantir a participação ativa das pessoas com deficiência no ambiente judiciário. Na próxima sessão ordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na terça-feira (9/12), será apresentada a minuta final da resolução que cria a Política Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência no Âmbito do Poder Judiciário. A conclusão do texto da minuta, que foi anteriormente submetido a uma audiência pública, acontece no mês marcado pelo Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, comemorado nesta quarta-feira (3/12).
O anticapacitismo, que consiste na luta contra a crença de que algumas pessoas são menos capazes do que outras, está entre os princípios que norteiam a proposta de resolução. Após a apresentação em plenário ainda este mês, a política deverá ser votada na primeira sessão ordinária de 2026. O intuito é definir a forma como os tribunais brasileiros devem remover as barreiras que limitam a participação plena das pessoas com deficiência, incluindo as chamadas barreiras atitudinais.
O texto explica o capacitismo como o preconceito contra a pessoa com deficiência, manifestado em posturas e conceitos baseados em estigmas e estereótipos, e pautados na construção social de um corpo padrão, sem deficiência, e na presunção de incapacidade e inaptidão de pessoas em virtude de suas deficiências.
Além do encaminhamento da política para julgamento pelo Plenário, o CNJ também aderiu à Campanha Nacional de Enfrentamento ao Capacitismo, promovida pela Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A campanha nas redes sociais aproxima o termo “capacitismo” do cotidiano, evidenciando práticas capacitistas ainda presentes nas relações sociais e institucionais. A iniciativa destaca o protagonismo das pessoas com deficiência, com a divulgação de suas vivências e trajetórias e difunde conceitos fundamentais para o enfrentamento dessa forma de discriminação.
Intérpretes de libras
Nos tribunais brasileiros, o engajamento pelo anticapacitismo já apresenta resultados, prevendo a participação ativa de pessoas com deficiência nos mais diversos atos da Justiça. Na corte estadual gaúcha, um júri popular formado para julgar um caso de feminicídio contou com a participação de uma jurada surda. A acessibilidade foi assegurada a uma professora de 45 anos por meio da tradução em libras por três intérpretes que se revezaram na função.
De acordo com o coordenador da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (CPAI) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), Bruno Massing de Oliveira, os nomes dos jurados podem ser rejeitados pelas partes e o Ministério Público e que, neste caso, não houve ressalvas. Ele ressalta que o esforço e conduta anticapacitista da juíza e dos servidores também foram exemplo a ser seguido. “Poucos dias após a audiência, houve outro julgamento, em uma vara de Justiça, no qual o réu era surdo e o juízo também contratou três intérpretes”, conta.
Ele, que também é o juiz-corregedor do tribunal, reforça a importância de desse serviço para garantir a participação de PcDs nas atividades do Judiciário enquanto um direito. De acordo com a legislação brasileira, a responsabilidade de fornecer a acessibilidade adequada é da instituição, pública ou privada.
“Temos uma recomendação para que as unidades judiciárias nomeiem intérprete de libras para audiências com pessoas surdas, de acordo com a Resolução CNJ n. 401/2021. Nesse caso específico da jurada que compôs o Conselho de Sentença, como a audiência foi toda oral, era fundamental a contratação de intérprete”, relata.
Campanhas
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) realiza, entre suas ações, campanhas com mensagens anticapacitistas voltadas para o público interno e para a sociedade. Para o público externo, as mensagens nas redes sociais demonstram como a pessoa com deficiência está inserida na vida profissional e nas atividades diárias.
Já para o público interno, novos servidores e novas servidoras têm, desde a chegada, contato com o tema, por meio de materiais audiovisuais apresentados nas palestras de ambientação. Ao longo de 2025, foram 17 encontros com a participação de 158 novos servidores e servidoras.
No Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) também atua diretamente para a inclusão dos servidores e colaboradores com deficiência, com o apoio da Comissão de Acessibilidade e Inclusão. “As demandas mais comuns que recebemos na comissão tratam de relacionamento com as chefias. Fazemos mediação para que seja concedida jornada diferenciada e trabalho remoto. Também fazemos a acomodação dos trabalhadores em setores mais adequados”, aponta a juíza Ana Veras, que presidente a comissão.
Segundo ela, profissionais PcDs do tribunal e do núcleo de engenharia vêm fazendo desde o ano passado capacitações sobre liderança inclusiva e atendimento à pessoa com deficiência. O tribunal também realizou a reforma de fóruns que ocupam prédios mais antigos e necessitavam de alterações como rampas e vagas próprias de estacionamento. “Fizemos ainda campanhas com vídeos de servidores com falas inclusivas, em que relatam suas experiências, alterações de acessibilidade no nosso site bem como a implementação de protocolo do CNJ de linguagem simples”, acrescenta.
Cartilhas
O público infantojuvenil também é alvo das ações do Judiciário para enfrentar preconceitos. O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3), de Minas Gerais, por exemplo, distribui a cartilha “As Aventuras da Super-Respeito – Aprendendo sobre Diversidade e Cidadania”. Nela, a heroína, Super-Respeito, e seu mascote, uma capivara, convidam as crianças e os adolescentes a reconhecerem situações de desrespeito à diversidade e aos direitos fundamentais, revelando estratégias de enfrentamento destas violações. No formato de quadrinhos, a publicação aborda temas como racismo, capacitismo e o preconceito de gênero.

A publicação é resultado de uma parceria entre o Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade do TRT-MG, do Programa Resolução de Conflitos e Acesso à Justiça pela Via dos Direitos e Solução de Conflitos (Recaj) e estudantes de graduação e pós-graduação dos cursos de Direito, Cinema de Animação e Artes Digitais da UFMG.
Inclusão no trabalho
No Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), o Programa Com Viver vai viabilizar a contratação de jovens e adultos com deficiência intelectual e múltipla – em especial aquelas com condições associadas a déficits cognitivos, como síndrome de Down, Asperger, Williams e autismo. Os contratados devem estar matriculados em instituições sociais como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e a Associação Down de Goiás (ASDOWN).
O programa prevê bolsa de R$ 759,00, vale-transporte e certificado de participação. A carga horária é de até 20 horas semanais, com adaptação das atividades às necessidades de cada participante e da unidade de lotação.
Inicialmente, 12 vagas serão oferecidas a pessoas que já atuavam de forma voluntária no Judiciário, sendo sete em Cristalina, três em Goiânia e duas em Padre Bernardo. A seleção para novas vagas ficará a cargo da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (Copai), em parceria com a Diretoria de Gestão de Pessoas e o Núcleo de Responsabilidade Social e Ambiental (Nursa).
Foto: Rômulo Serpa/CNJ





