quarta-feira, 6 agosto, 2025
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Falta de decreto adia início dos concursos públicos on-line em larga escala; Cesgranrio quer ser pioneira

Modalidade promete economia e acesso ampliado, mas depende de regulamentação e segurança robusta

Com a aprovação da Lei 14.965, sancionada em setembro de 2024, o Brasil passou a contar com a possibilidade de realização de concursos públicos federais de forma total ou parcial por meio de plataformas eletrônicas. A norma uniformizou regras e abriu caminho para a aplicação de provas on-line, mas ainda depende de regulamentação por decreto do Poder Executivo, que, até hoje, não foi publicado. A demora se dá porque o governo federal vem analisando, via grupo de trabalho e consultas públicas, a melhor forma de por em prática esse “concurso do futuro”.

Entre os pontos em análise estão a definição de ambientes virtuais seguros, critérios de criptografia e autenticação, padrões para monitoramento remoto (proctoring), medidas antifraude com uso de inteligência artificial e procedimentos para candidatos com deficiência ou que vivem em regiões com infraestrutura precária de internet. A expectativa é que a consolidação das sugestões recebidas leve à publicação do decreto no quarto trimestre de 2025, seguida de instruções normativas complementares.

Mesmo sem a regulamentação, instituições ligadas ao setor de exames já avançam na estruturação para provas digitais. Nesta semana, a Fundação Cesgranrio anunciou a inauguração do “Centro de Testes Digitais”, com capacidade para 400 computadores, desenvolvido para a aplicação de exames on-line de diferentes tipos. O coordenador de Assuntos Institucionais da fundação, Gabriel Coelho, explica que a entidade tem experiência prévia com esse formato, como nas três edições do Enem Digital realizadas pelo MEC e em vestibulares on-line, além de exames de certificação e de concessão de bolsas da Capes.

– Cada tipo de avaliação exige tecnologia específica: em provas de alto risco, como o Enem, a aplicação ocorre em datas e locais controlados pela organizadora; já em exames de menor risco, o candidato pode fazer a prova em casa. Ainda assim, todos sistemas contam com segurança reforçada, que inclui fiscais remotos, monitoramento por inteligência artificial e recursos que detectam comportamentos suspeitos, como olhar para baixo ou desviar excessivamente o foco da tela.

O software ainda exige que o microfone permaneça ligado, grava o áudio, solicita a verificação do ambiente e da identidade do candidato e, em caso de irregularidade, aciona o fiscal humano, que pode inclusive eliminar o participante.

Para provas feitas no computador pessoal, é obrigatório instalar um programa que bloqueia a máquina no chamado “modo quiosque”, impedindo o acesso a outros aplicativos. Na avaliação dele, o modelo pode reduzir custos logísticos, eliminar riscos de roubo de provas impressas e, em alguns casos, baratear taxas de inscrição.

Cenário promissor

Entre os especialistas, há consenso sobre o potencial de democratização, mas também preocupação com a segurança e a infraestrutura tecnológica do país. O advogado Sérgio Camargo, especialista em Direito Administrativo, vê na nova modalidade uma oportunidade de ampliar o acesso e reforçar o princípio constitucional da igualdade, permitindo que candidatos de regiões remotas participem sem custos elevados de deslocamento e hospedagem:

– O desafio maior está em criar mecanismos eficazes contra fraudes, como o uso de pontos eletrônicos ou auxílio externo durante a prova.

Já o professor de Direito Constitucional da UFRRJ, Fernando Bentes, aponta que as facilidades de custo pode levar a um aumento do número de concursos realizados:

– A logística simplificada pode permitir maior frequência de concursos, beneficiando candidatos e órgãos públicos. Para pessoas com dificuldade financeira ou que vivem longe de centros urbanos, a possibilidade de fazer a prova em casa representa um ganho.

Bentes lembra que o Conselho Nacional de Justiça já regulamentou, por meio da Resolução 629, a realização de provas online em concursos do Judiciário para candidatos com deficiência, em situações de impedimento máximo de mobilidade. A norma foi editada com base na própria Lei 14.965, mas se aplica de forma restrita e não representa ainda a adoção em massa do modelo.

Inovação traz consigo dilemas

Segundo Douglas Oliveira, professor do Direção Concursos, embora os candidatos possam se sentir mais confortáveis realizando provas em casa, problemas como distrações, quedas de energia e instabilidade da internet podem comprometer o desempenho.

– Uma pesquisa que realizei entre os meus alunos revelou que 69% dos concurseiros são contrários à prova on-line, principalmente por receio de fraudes, apesar de reconhecerem o conforto e a economia com deslocamento.

A prova on-line é uma transformação inevitável, que rompe com o modelo presencial consolidado, afirma o juiz federal Renato Borelli, coordenador das Carreiras Jurídicas no Gran Concursos. Para ele, a preparação básica permanece a mesma, mas o candidato precisa se adaptar ao ambiente digital, fazendo simulados e mantendo disciplina e foco:

– O potencial de economia é grande, eliminando gastos com espaços físicos e logística. Algumas bancas já adotaram provas digitais para vestibulares e estágios, o que mostra que a modalidade vem crescendo.

Marcos Britto, diretor pedagógico do Degrau Cultural Brito, reforça que a aplicação on-line quebra um paradigma histórico, desafiando a tradicional lisura associada ao ambiente presencial. Ele lembra que durante a pandemia algumas fases de concursos ocorreram remotamente e que empresas estatais já testaram modelos híbridos:

– Para o candidato, a prova digital exige adaptação, pois a leitura na tela é mais cansativa, o ambiente é mais restritivo e há impacto psicológico devido a possíveis instabilidades técnicas e à falta do ambiente controlado.

Procurados ao longo da semana, o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) não retornaram às demandas da reportagem até o prazo estipulado e não informaram se adotarão o modelo de aplicação. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) sinalizou que se manifestará apenas após a regulamentação da lei.

Foto/Crédito: Arquivo CNJ

Fonte: https://extra.globo.com/economia/emprego/concursos/noticia/2025/08/falta-de-decreto-adia-inicio-dos-concursos-publicos-online-em-larga-escala-cesgranrio-quer-ser-pioneira.ghtml

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