Este ano, estudantes que não compareceram ao Enem no ano passado por medo da Covid-19 não terão isenção na taxa de inscrição. Valor pesa no bolso da maioria que está sem renda e sonha com a faculdade
Não bastassem os cortes de recursos que ameaçam a sobrevivência das universidades, como a Federal do Rio de Janeiro, entre outras, e a não realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) agora ataca, por outro flanco, o sonho de milhões de brasileiros de cursar a universidade. Quem não fez a prova anterior, no início de ano, por conta do agravamento da pandemia do novo coronavírus, não terá isenção na taxa de inscrição para o próximo exame, se houver.
É errado o governo suspender a isenção. A medida tem que ser revista. O fato de preservar a vida e o medo de morrer que levaram as pessoas a não comparecerem são razões suficientes para que a medida seja revista
– Renato Janine Ribeiro
De acordo com Janine, ex-ministro da Educação no governo de Dilma Rousseff, a isenção da taxa tem justamente caráter de permitir que estudantes mais pobres participem, favorecendo assim a inclusão social. Há alguns anos, diz ele, notou-se que havia um número grande de inscritos que não compareciam às provas e por isso, veio a decisão de impor regras de suspensão do direito. Mas hoje, a realidade é outra.
“No momento atual, estamos em uma situação crítica, diferenciada. A pandemia tornou muito perigosas quaisquer aglomerações e em função disso, não se pode aplicar uma regra que vale para um outro contexto e que nunca foi pensada para uma realidade de ameaça à vida das pessoas”, afirma o ex-ministro.
Quais são as regras
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que realiza o Enem, aceita como justificativa para ausência os seguintes casos que tenham ocorrido na data da prova:
● assaltos;
● furtos ou acidentes de trânsito;
● casamento do inscrito;
● nascimento de filhos;
● morte de membros da família;
● trabalho e intercâmbio acadêmico.
Todas essas situações devem ser comprovadas com certidões ou boletins de ocorrência.
Outras justificativas aceitas são situações em que o estudante cumpriu mandado de prisão, ou estava impossibilitado por estar doente, casos que também devem ser comprovados.
A isenção das taxas do Enem ignora a realidade de milhares desses estudantes, que decidiram se resguardar para preservar a própria vida e as vidas de familiares
– Renato Janine Ribeiro
Ignora ainda a realidade econômica do país, de desemprego em 14,4% e queda na renda de trabalhadores ao impor a taxa de R$ 85, dinheiro que ou faz falta no orçamento ou simplesmente os estudantes não têm para pagar.
Segundo o professor Janine Ribeiro, em geral, a legislação permite exceções quando há motivos de força maior “e o risco de morte é motivo de força maior”, diz se referindo ao medo dos estudantes de contrair o vírus – mortal em grande parte das vezes.
O fato é que as regras de isenção para o Enem não foram revistas pelo Ministério da Educação (MEC). Continuam as mesmas e não incluem exceções para a realidade imposta pela pandemia – de isolamento social, recomendado pelas autoridades de saúde do mundo todo, além dos recordes de mortes, fome e desemprego no Brasil, país que não criou um comando nacional de combate à epidemia e tem um presidente que descumpre as medidas recomendadas todos os dias.
Exemplo disso foi o que aconteceu neste domingo. Bolsonaro promoveu um passeio de moto com aglomerações, sem máscaras e sem distanciamento social no Rio, no momento em que cientistas alertam para uma terceira e mais fatal onda de Covid-19. Teve inclusive a participação do ex-minsitro da Saúde, General Eduardo Pazuello, também sem máscara.
Enem atípico
A cobrança de taxas vai prejudicar milhares de estudantes. São aqueles que fazem parte das estatísticas de um Enem atípico que registrou a maior taxa de abstenção da história do exame. Ao todo, na última prova, 55,3% dos inscritos (cerca de 5,7 milhões) não compareceram por medo de exposição aos riscos de contaminação pelo coronavírus.
Em janeiro deste ano, quando foi realizado o exame, o Brasil mergulhava profundamente na 2ª onda da pandemia, com cepas mais agressivas e letais atacando todo o país, como a de Manaus que, por negligência do governo, provocou várias mortes por sufocamento – pacientes que não tiveram acesso a oxigênio.
As cenas vistas diariamente, de pessoas morrendo e números de contaminação aumentando, assustaram e muitos estudantes temeram pela própria vida.
Mas essa justificativa, por falta de sensibilidade do governo, não vale. As regras não preveem isenção da taxa para ausência por isolamento social.
Bolsonaro, o inimigo da educação
Ao nomear Abraham Weinbtraub como ministro da Educação, já no início de seu mandato, Bolsonaro declarava guerra à educação e aos estudantes brasileiros. O ex-ministro, protagonizou, durante toda a sua passagem pela pasta uma série de polêmicas, em especial por suas declarações nas redes sociais, atacando universidades públicas, professores e estudantes.
São dele as frases que diziam que as universidades promoviam “balbúrdias” e que havia “plantações extensivas de maconha em universidades federais”.
Mas o ataque transcendia a falácia. Ele foi responsável pelos cortes de 30% no orçamento da educação em 2019, que levaram, nos meses de maio e junho daquele ano, os estudantes às ruas em manifestações históricas em defesa da educação, organizadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE-CUT) e outras entidades.
Caiu o ministro, mas os ataques continuaram. Este ano, o Orçamento Federal para 2021 (Lei 4.414/2021), sancionado por Bolsonaro em 22 de abril, determinou o corte de mais de um bilhão de reais nos recursos das universidades federais, o que representa uma redução de 18,16% em relação a 2020.
Muitas talvez não consigam continuar em funcionamento já no segundo semestre deste ano, caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), cujos recursos mal dariam para bancar as despesas estruturais mais básicas como as contas de água e luz.
“O que o governo Bolsonaro vem fazendo na educação é uma verdadeira destruição, cada vez mais profunda, que atinge as universidades, as escolas e que vem atingindo muito fortemente o Enem”, diz Iago Montalvão, presidente da UNE.
Ele lembra que o exame é um processo seletivo que significou um avanço em relação aos antigos vestibulares, no sentido ampliar o ingresso dos estudantes, em especial os mais pobres, os negros e negras e os estudantes da periferia nas universidades.
No entanto, o que se vê hoje é um descaso com o Enem e, por consequência, com os estudantes. “No governo Bolsonaro, o Enem ficou cheio de problemas. Parece mesmo um projeto de desmonte. É um retrocesso, uma destruição do MEC, do Enem que vai se dando de várias formas, inclusive na questão da isenção”, diz o presidente da UNE.
Eles estão dificultando cada vez mais o acesso dos pobres à universidade. Não tem nenhum sentido. O estudante não foi fazer a prova por conta de uma pandemia e nesse momento, que ele mais vai precisar dessa isenção, não vai poder ter. É um projeto de destruição
Eu era feliz…
Os mais impactados pela falta de sensibilidade do governo federal são os estudantes que historicamente foram excluídos do acesso ao ensino superior, de qualidade, até que fossem criados programas durantes os governos de Lula e Dilma.
A reformulação do Enem em 2009, passou a garantir vagas nas universidades com a nota do exame.
O Sistema de Seleção Unificada (Sisu) tornou possível o acesso pelo Enem, às universidades federais e estaduais
O ProUni foi criado para a concessão de bolsas de estudos a partir das notas do Enem.
A ampliação de investimentos na educação durante aquele período permitiu que milhões de brasileiros fossem beneficiados e tivessem acesso ao ensino superior.
Prioridade número 1 dos governos Lula e Dilma, nos 13 anos de governos progressistas a educação brasileira deu um salto de qualidade e começou a construir um caminho de oportunidades e de futuro para todos. O orçamento cresceu fortemente: de R$ 49,3 bilhões em 2002 para R$ 151,7 bilhões em 2015.
Lula e Dilma criaram 422 escolas técnicas – três vezes mais do que fizeram todos os governos anteriores em mais de um século de história (140 escolas). Criaram também 18 universidades federais, 178 campus e programas como o ProUni e o Fies, que democratizaram o acesso ao ensino superior. Resultado: o país que levou cinco séculos para ter 3,5 milhões de jovens frequentando universidades, precisou de apenas 13 anos para chegar aos mais de 8,03 milhões de brasileiros universitários.
Com Lula e Dilma, os professores conquistaram piso salarial nacional. Em 2009, o primeiro piso foi fixado em R$ 950, crescendo 42% acima da inflação até 2016. O Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica garantiu curso superior aos educadores ainda sem graduação. Instrumentos precisos de avaliação, como Ideb (ensino básico) e Sinaes (ensino superior), permitiram aferir qualidade e corrigir deficiências. A educação melhorou em todos os níveis e para todos.
Enem
De acordo com o portal do Inep, a isenção da taxa de inscrição é garantida quem está no último ano do ensino médio em escolas da rede pública, a quem cursou todo o ensino médio na rede pública ou como bolsista na rede privada e quem tenham renda familiar de até que a meio salário mínimo por pessoa. Inscritos no CadÚnico também estão isentos.
As inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 serão recebidas de 28 de junho a 9 de julho. Já para solicitar a isenção o prazo termina no dia 28 de maio e deve ser feita no portal do Inep.
Edição: Marize Muniz
Escrito por: Andre Accarini e Marize Muniz