sexta-feira, 8 novembro, 2024
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Governos Lula e Dilma priorizaram combate ao racismo

Em 2003, o Brasil se preparava para, finalmente, dar os primeiros passos para uma reparação histórica e efetiva dos quase 350 anos de escravidão da população negra. Em 2019, tudo começou a desmoronar

Após anos de avanços no combate ao racismo durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, que priorizaram as políticas públicas para a população negra, o Brasil deu um enorme passo atrás ao eleger Jair Bolsonaro, que considera qualquer iniciativa combate à discriminação e de inclusão social de populações historicamente perseguidas como negros, como “vitimismo” ou “mimimi”.

Em 2003, após 115 anos da Abolição da Escravatura, o Brasil começava a dar os primeiros passos para uma reparação histórica e efetiva dos quase 350 anos de escravidão da população negra. A eleição do metalúrgico Lula, em 2002, simbolizava a esperança de milhões de brasileiros e brasileiras de terem a sensação se pertencimento em relação à sociedade – um passo à frente na luta contra a discriminação racial nos mais diversos aspectos como mercado de trabalho, por exemplo.

“A história mostra o quanto as ações implementadas por Lula e Dilma foram importantes para conseguirmos iniciar um processo de reparação a partir de políticas públicas, o que sempre foi reivindicação dos movimento negros, ou seja a responsabilidade do Estado para garantir nossos direitos”, afirma Anatalina Lourenbço, secretária de Combate ao Racismo da CUT.

E Lula não decepcionou. As políticas públicas tinham garantidos no orçamento da União recursos do orçamento para diversas iniciativas como programas destinados a quilombolas e ao programa de Cotas para Universidades, um divisor de águas na história do Brasil em termos de inclusão social.

Mas, em 2019, primeiro ano de gestão de Bolsonaro, tudo começou a desmoronar. O governo do ‘capitão’ cortou verbas destinadas a comunidades quilombolas e para o Programa de Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial, entre outros desmontes que representam um enorme retrocesso para os direitos da população negra.

“Num piscar de olhos tudo foi desmontado com o golpe de Temer e depois mais ainda com Bolsonaro. Hoje a gente vive sob um governo que legitima, apoia e aprofunda o racismo a partir das suas políticas”, diz a dirigente.

Nunca a população negra esteve tão em risco como agora, com Bolsonaro, um governo em que morte é a principal política e que tem como foco eliminação dos pobres e dos negros
– Anatalina Lourenço

A possibilidade de reverter os retrocessos, diz Anatalina, existe e será uma tarefa árdua para o próximo governo progressista. “Acredito que Lula será eleito e terá uma tarefa hercúlea para não só recuperar o que foi perdido mas para também aprofundar políticas públicas necessárias para acabar com a injustiça social e a desigualdade racial”, ela diz, explicando que essas duas características de nossa sociedade estão intrinsecamente ligadas.

Governo do povo

Em 2003, só se pensava em políticas progressivas.  Mais do que promover a inserção de negros e negras no mercado de trabalho, garantir acesso a universidades, entre outras políticas públicas, o objetivo e o compromisso de Lula era fazer com que a população negra ocupasse seu lugar direito na sociedade e nos espaços de poder em pé de igualdade com os não negros.

Assim, Lula e posteriormente Dilma Rousseff, deram passos importantes na luta contra o racismo estrutural no Brasil.

Entre as ações dos dois governos destacam-se a lei de Cotas. Implementada em 2012, a Lei nº 12.711, estabelece que 50% das vagas de universidades e institutos federais de ensino sejam destinadas a estudantes pretos, pardos e indígenas, além de estudantes de escolas públicas, com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio.

O resultado foi que dobrou nas universidades a presença da população negra com idade entre 18 e 24 anos. Passou de 9%, em 2011, para 18%, em 2019, de acordo com os dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“As cotas nos permitiram sonhar com sermos aquilo o que exatamente quiséssemos: faço engenharia, meus irmãos também, mas a gente poderia ser médico, psicólogo, cientista social, a gente poderia ser qualquer coisa”, diz Moara Saboia, vereadora do PT em Contagem (MG).

Ainda há muito que se conquistar, mas os frutos de políticas afirmativas, de fato, possibilitaram que negros e negras passassem a ocupar espaços que são dominados pelos brancos – são os espaços públicos, acadêmicos, cargos mais altos em empresas, entre outros.

“É muito simbólico o país ter uma cientista negra e nordestina como responsável por sequenciar o genoma do vírus, o que contribuiu com a humanidade de forma significativa porque foi a partir disso que se tornou possível desenvolver uma vacina”, diz a secretária adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Rosana Fernandes.

A biomédica Jaqueline Goes de Jesus, nascida em Salvador (BA), é exemplo de que políticas funcionam e são fundamentais para acabar com os conceitos escravocratas de uma elite branca e conservadora no país sobre uma superioridade racial. Pós-doutoranda no Instituto de Medicina Tropical da USP, ela é “filha” dessas políticas públicas de expansão do ensino superior no Brasil – as cotas.

Cotas em risco

O cenário de 2021, com Bolsonaro e seus aliados no comando, é o oposto. A Lei de Cotas passará por uma prova de fogo. Em 2022, o marco legal que instituiu as cotas passará por uma revisão. Assim como o presidente da República, há parlamentares que propagam a falsa ideia de que as cotas, ao invés de promover igualdade, na verdade privilegiam setores.

O PL 1531/2019 da Deputada Dayane Pimentel (PSL-BA) e o PL 5303/2019 do deputado Dr. Jaziel (PL-CE) propõe retirar a menção a ”cotas raciais” da lei para contemplar apenas a quem tem baixa renda.

Mas há resistência. No Congresso, há propostas que prorrogam a validade da lei em sua essência. Entre elas está o Projeto de Lei 4656/2020, do senador Paulo Paim (PT-RS), que estabelece gatilhos para a manutenção da lei. Se o preenchimento de vagas pelas cotas estiver abaixo do percentual estabelecido, a cota é automaticamente renovada por mais dez anos. Se for igual ou superar o percentual, a lei se revalida para mais cinco anos.

“Fato é que não serão 10 anos de vigência da lei de cotas que irão corrigir 348 anos de tráfico e tortura de pessoas negras relegadas à própria sorte após a abolição”, explica o advogado e integrante do Movimento Negro Unificado, Wanderson Pinheiro.

Cotas contra a pobreza

Em entrevista à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a filósofa Sueli Carneiro afirmou que as cotas tiraram racistas “do armário”, para defenderem privilégios que sempre tiveram no acesso às vagas das universidades públicas do Brasil, argumentando que lei não foca na desigualdade.

“Os que se aferram a esse argumento entendem que enquanto a escola pública de qualidade não vem, a população negra deve esperar, de preferência ‘bem quietinha’, pois a reivindicação de cotas raciais não seria suficientemente transformadora, segundo alguns dos seus críticos”, ela afirmou.

Diferentes estudos demonstraram que o problema da pobreza no Brasil não resulta de falta de recursos, mas sim de um alto grau de desigualdade. “O combate à desigualdade tem impacto superior sobre a redução da pobreza do que via crescimento econômico. É mais rápido e mais barato”, explica Sueli Carneiro.

Outras políticas

Nas escolas: a lei 10.639 de 2003 foi outra ação afirmativa. Além de instituir o Dia da Consciência Negra, estabeleceu o ensino da história e da cultura afro-brasileira em todas as instituições de ensino. O conteúdo inclui a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

Estatuto da Igualdade Racial: Em 2010, Lula sancionou a Lei 12.288/2012, o Estatuto da Igualdade Racial que determina: “Garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”

A lei reafirma a obrigatoriedade do ensino de história africana no currículo brasileiro, a manutenção do direito de propriedade da terra aos remanescentes quilombolas, o incentivo às políticas de inclusão da população negra em variados mercados de trabalho, ensino e ocupação, entre outras normas com a mesma diretriz.

SEPPIR – a criação da Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial aconteceu em março de 2003, com o objetivo de promover políticas para combater o racismo e promover igualdade nos diferentes setores da sociedade. Além das cotas e do Estatuto da Igualdade, a Seppir foi instrumento para a elaboração de políticas de enfrentamento à violência contra a juventude negra como o Programa Juventude Viva, além do Programa Brasil Quilombola e o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o SINAPIR.

A Seppir perdeu o status de ministério ainda no governo Temer. Já no governo Bolsonaro chegou a ser discutida a sua total extinção mas a pressão de movimentos negros ela se manteve e hoje é uma secretaria do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A pasta chegou a ficar três meses sem um responsável no fim do ano passado. Uma análise técnica organizada por parlamentares do Psol concluiu que a quantia investida em ações de combate ao racismo em 2020 (R$ 2,7 milhões) representa somente 2% do montante investido em 2011.  

Cotas no serviço público –  Em 2014, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei que previa cota de 20% das vagas em concursos públicos da administração federal para candidatos negros.

Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz

Foto/Crédito: Foto: Roberto Parizotti (FOTOS PÚBLICAS)

Fonte: https://www.cut.org.br/noticias/governos-lula-e-dilma-priorizaram-combate-ao-racismo-1d74

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