O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 3.190 pessoas em condições análogas à escravidão em 2023 em todo o Brasil. Desde 2009, o país não registrava tantos casos. No entanto, como mostra reportagem do Intercept Brasil, por trás dos números superlativos, há um resultado degradante: sai barato escravizar no Brasil. No ano passado, os empregadores flagrados pagaram uma média de apenas R$ 4.115,89 por pessoa escravizada em verbas rescisórias. Isso equivale a pouco mais de três salários mínimos.
O valor é considerado muito baixo, uma vez que esses empresários cometeram uma violação de direitos humanos, um crime que vai muito além da esfera trabalhista. O valor nem sequer dá conta do que o trabalhador perdeu durante o tempo de serviço.
Desde 1995, quando o governo brasileiro criou grupos móveis de fiscalização de combate ao trabalho escravo, 63.516 trabalhadores e trabalhadoras foram retirados de condições análogas à escravidão. Os valores das rescisões estão disponíveis no site do MTE desde 2000, quando o salário mínimo valia R$ 151. A reportagem atualizou os valores de cada ano pela inflação e mostrou que os empregadores teriam pago o equivalente a R$ 321 milhões no período. Isso dá uma média de R$ 5.736,82 – 4,3 salários mínimos – por trabalhador. Além das verbas rescisórias, os trabalhadores resgatados têm direito a três parcelas de seguro-desemprego, pagos pelo MTE, no valor de um salário mínimo.
A agropecuária é a atividade econômica com mais casos de resgate de trabalhadores , 27% do total, segundo os dados do MTE.
Situação não muda
Gildásio Silva Meireles foi submetido a condições degradantes de trabalho em uma fazenda no Maranhão, em 2005, e hoje, trabalha com vítimas de trabalho escravo no Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (MA). Ele disse que não vê a situação melhorar. Muitos trabalhadores acabam sendo resgatados pela fiscalização mais de uma vez porque a situação após o flagrante não muda.
Ele questiona por que esses trabalhadores têm as verbas rescisórias calculadas tendo o salário mínimo como base. Além disso, explica que “o que o trabalhador ganha não é o suficiente para sustentar a família durante muito tempo e, como geralmente ele não tem uma profissão [fixa], ele se submete novamente ao risco de ser escravizado”.
Os empregadores, além disso, não são penalizados e voltam a cometer o mesmo crime. “Eles pagam uma multa pequena, ficam com o nome na justiça durante muitos anos esperando o julgamento, enquanto isso não acontece e ele continua agindo da mesma maneira”, relata Meireles.
Lucas Reis, auditor fiscal do trabalho que atua nas fiscalizações de combate ao trabalho escravo, afirma que “verbas rescisórias são todos os direitos que o trabalhador teria se tivesse sido contratado regularmente desde o início do trabalho”. Isto abrange salário de acordo com piso da categoria, décimo-terceiro, férias, horas extras. O valor é calculado pelos auditores fiscais do trabalho no momento do resgate. “O valor acaba sendo baixo porque, infelizmente, os direitos dos trabalhadores no geral são poucos. Eu defendo que os direitos deveriam ser ampliados, principalmente, em caso de resgate de trabalho escravo”, opina o auditor.
A fiscalização também aplica multas referentes aos autos de infração para cada descumprimento da legislação, mas o valor é irrisório. No caso de flagrante de trabalho infantil, por exemplo, a multa vai de R$ 416,18 por “menor” até o máximo de R$ 2.080,90. Em 2023, foram 2.564 crianças e adolescentes retirados do trabalho infantil. Questionado, o MTE afirmou que “não possui banco de dados com informações referentes a valores totais pagos em verbas rescisórias” para cada um desses casos.
Uma verba indenizatória pode ser paga via dano moral individual proposto pelo Ministério Público do Trabalho, seja por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta ou via ação civil pública. Porém, isso não acontece em todos os casos e os valores variam muito. Cada procurador analisa de acordo com a gravidade da situação encontrada pela fiscalização.
De acordo com a assessoria de comunicação do Ministério Público do Trabalho (MPT), em 254 fiscalizações realizadas com a participação do órgão em 2023, foram arrecadados R$ 14,31 milhões em danos morais coletivos e R$ 8,7 milhões em danos morais individuais. O MPT não participa de todas as ações de fiscalização do Ministério do Trabalho, por isso os números são menores.
Crime previsto no Código Penal
O trabalho em condições análogas à escravidão não é apenas uma infração trabalhista. O crime está previsto no art. 149 do Código Penal e define trabalho análogo ao escravo como aquele em que as pessoas são submetidas a jornadas exaustivas, a trabalhos forçados, condições degradantes e são impedidas de deixar o local de trabalho por conta de dívida contraída com empregador ou por ameaça e coerção.
A lei prevê pena de reclusão por dois a oito anos e multa, além da pena correspondente por violência. Dificilmente, porém, são aplicadas penas mais duras do que a cobrança de verbas rescisórias.
Fonte: Intercept Brasil
Foto/Crédito: MPT
Extraído de: https://sintrajufe.org.br/trabalho-analogo-a-escravidao-e-lucrativo-mesmo-quando-empresarios-sao-flagrados-media-de-verbas-rescisorias-por-trabalhador-e-de-apenas-3-salarios-minimos/