quarta-feira, 17 setembro, 2025
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“VerDemocracia”: O debate que não cabe nos discursos institucionais, grita através daqueles que vivem os desafios e urgências da Justiça eleitoral na Amazônia

Enquanto especialistas, autoridades e servidores públicos encerram três dias de debates no evento “VerDemocracia”, realizado até esta quarta-feira (17), em Belém, uma pauta latente ecoa nas falas de quem realmente conhece os bastidores da democracia na região Norte.

O Sindjuf-PA/AP aproveitou o evento para ouvir quem vive, trabalha e enfrenta os desafios cotidianos da Justiça Eleitoral em uma das regiões mais complexas do planeta: a Amazônia Brasileira. O que eles trouxeram à tona revela uma dura realidade marcada por isolamento, precariedade, mudanças climáticas e ausência do Estado.

Uma Justiça Eleitoral à mercê da geografia

Na Amazônia, as urnas não chegam apenas por carros. Chegam a cavalo, de barco, por trilhas, às vezes com dias de antecedência. A logística para garantir o direito ao voto na floresta é gigantesca, e depende de servidores que enfrentam não apenas distâncias continentais, mas a negligência de políticas públicas adaptadas à região.

Antônio Ribeiro Neto, servidor da 25ª Zona Eleitoral de Capanema (PA), mesmo estando a apenas duas horas de Belém, conhece de perto a dificuldade dos colegas que atuam em áreas mais remotas:

“Na minha região eu nunca fui surpreendido por mudanças climáticas extremas, mas colegas relatam casos graves, como no Sudeste do Pará, onde uma seca impediu o tráfego de barcos. Eles tiveram que entregar urnas a cavalo em aldeias indígenas.”

Ele explica que os rios são as estradas da Amazônia, e com isso a Justiça Eleitoral torna-se dependente das marés, da disponibilidade de barcos e do clima. O simples ato de transportar uma urna requer um planejamento logístico.

Amazônia insular

Mesmo em regiões próximas à capital paraense, as adversidades persistem. Silvia Damasceno Monteiro Rodrigues, chefe de cartório da 30ª ZE em Icoaraci, zona distrital de Belém, afirma que o atendimento eleitoral é dificultado pela geografia:

“Nossa zona atende ilhas como Outeiro, Mosqueiro, Cotijuba… É Belém, mas o acesso é demorado, exige travessia. Para chegar a Mosqueiro, por exemplo, saímos com duas horas de antecedência. E ainda enfrentamos falta de servidores para a demanda.”

Justiça eleitoral em Uruará e seus muitos obstáculos

Mais distante ainda está Sandro Silva dos Santos, servidor da 79ª ZE, no município de Uruará (PA), a mais de 1.000 km de Belém, localizada às margens da Rodovia Transamazônica. Só a viagem até a capital leva cerca de 22 horas. Em sua zona, a Justiça Eleitoral cobre áreas urbanas e comunidades ribeirinhas com sessões eleitorais a mais de 100 km de distância da sede.

E os desafios vão além da distância. Sandro relata como as mudanças climáticas vêm interferindo diretamente no trabalho da Justiça Eleitoral:

“Em 2022, fortes chuvas alagaram estradas de terra e dificultaram o acesso a diversas localidades. Já neste ano, enfrentamos o oposto: estiagem. A seca impediu o tráfego nos rios, e isso afeta todo o cronograma eleitoral.”

Ele explica que, mesmo com poucos com essas dificuldades e efetivo reduzido, a Justiça Eleitoral implementou o projeto TRE Ribeirinho, que levou atendimento às comunidades mais afastadas durante o período do cadastro eleitoral. Mas, segundo ele, sem políticas públicas estruturais — saúde, educação, segurança — a evasão de servidores continuará sendo um problema grave.

Amapá: isolamento extremo e a urgência da regulamentação do adicional de penosidade

A situação é ainda mais crítica no Amapá, como relata a diretora-geral do TRE-AP, Dilma Pimenta. O estado, isolado geograficamente, depende de avião ou barco para conexão com o restante do país. Uma passagem aérea até Belém pode custar mais de R$ 2 mil.

“Temos fronteiras como Oiapoque e municípios como Laranjal do Jari que são de difícil acesso. A situação dos servidores é extremamente difícil, com alta desistência de profissionais, especialmente os que vêm de fora do estado.”

Dilma destaca ainda a urgência da regulamentação do adicional de penosidade para os servidores da Justiça Eleitoral que atuam na Amazônia. O benefício já existe em outros órgãos, como a Justiça Federal e o Ministério Público, mas enfrenta resistência para ser implementado na Justiça Eleitoral, apesar da necessidade gritante.

“Temos informações de que tribunais como os de Roraima e Tocantins já discutem a implementação mesmo sem a regulamentação oficial do TSE. Isso mostra o tamanho da urgência.”

Amazônia pede respeito: não se debate democracia sem ouvir os moradores e trabalhadores da floresta

A iniciativa do Sindjuf-PA/AP de ouvir diretamente os servidores reforça uma crítica importante: não se pode debater a Justiça Eleitoral na Amazônia sem ouvir quem vive sua realidade. Esses profissionais não apenas garantem o funcionamento do processo democrático, mas fazem isso sob condições extremas.

A regulamentação do adicional de penosidade aparece como um passo mínimo para o reconhecimento da desigualdade estrutural enfrentada por quem atua no coração da floresta.

“É uma luta antiga”, diz o servidor Antônio. “Seria uma forma de compensar a ausência de estrutura médica, de lazer, de serviços públicos eficientes.”

A servidora Silvia reforça: “Esse adicional vai beneficiar principalmente quem está mais distante, atendendo ribeirinhos, vivendo na pele os desafios da região.”

O servidor Sandro conclui: “O adicional seria um estímulo, mas não resolve o problema. A solução real está em investimento estrutural, em políticas públicas.”

Na Amazônia, o processo eleitoral é uma árdua logística, marcada por trajetos fluviais, intempéries climáticas, e a garra de servidores invisibilizados, por isso, ouvir essas vozes, é respeitá-las e ajudá-las a ter acesso a condições mais dignas de trabalho.

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