Para Dulce Xavier, ataques recentes escancaram retrocesso cultural e reforçam urgência de enfrentar machismo estrutural
Os casos de violência brutal contra mulheres que ganharam repercussão nas últimas semanas revelam um cenário de retrocesso cultural e fortalecimento da misoginia no país. A avaliação é de Dulce Xavier, coordenadora do curso de Promotoras Legais Populares e referência no enfrentamento à violência de gênero. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ela afirma que episódios como esses mostram “essa visão patriarcal da mulher como submissa ao homem, que é estrutural, estruturante da nossa sociedade”.
No último sábado (29), uma mulher de 31 anos foi atropelada e arrastada pelo ex-namorado por mais de um quilômetro na marginal Tietê, em São Paulo, após se recusar a conversar com ele. A vítima, Taynara Souza Santos, passou por cirurgias e teve as pernas amputadas. O agressor foi preso no domingo (30).
Na sexta-feira (28), duas servidoras do Cefet/RJ foram mortas a tiros por um colega que não aceitava ter uma mulher em posição de chefia. O autor do crime se matou em seguida.
Segundo Xavier, embora existam políticas públicas e serviços de acolhimento criados especialmente após a Lei Maria da Penha, a maior parte das mulheres desconhece essas ferramentas, o que dificulta a busca por ajuda antes que a violência escale. “Infelizmente, temos pouca divulgação ainda dos serviços existentes”, avalia. Ela lembra que centros especializados criados pelos municípios oferecem apoio social e psicológico “antes de ir para uma delegacia”, mas o receio de que uma denúncia formal gere represália do agressor ainda afasta muitas vítimas.
A coordenadora destaca a importância do Disque 180 como canal de denúncia e orientação. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. “O 180 é um canal importantíssimo para as mulheres denunciarem e também obterem informação de qual serviço ela pode procurar na cidade dela”, afirma.
Redes sociais e grupos misóginos
Para Xavier, a disseminação de discursos de ódio contra mulheres nas redes sociais tem um papel importante na reprodução de violências. “Infelizmente, a misoginia, que é o ódio às mulheres, tem sido estimulada, especialmente com o crescimento de fundamentalismo religioso”, diz.
Ela cita como exemplo a atuação de grupos como os chamados redpills, que propagam a ideia de submissão feminina e estimulam comportamentos violentos entre jovens. “Vemos hoje homens muito jovens cometendo violência contra as suas namoradas, as suas companheiras”, alerta.
Segundo ela, esses conteúdos atingem um público amplo e pouco alcançado pelas ações presenciais do movimento de mulheres, mesmo durante mobilizações como os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. “O movimento social não alcança tanta gente como as redes sociais alcançam”, afirma.
Violência em diferentes espaços
A violência contra mulheres não se restringe ao ambiente doméstico. A ativista lembra que parlamentares enfrentam agressões e tentativas de silenciamento em câmaras municipais, assembleias estaduais e no Congresso Nacional. “Em todos os espaços temos manifestações de machismo e de violência no sentido de tentar cercear a palavra das mulheres”, reforça.
Ela ressalta ainda que o feminicídio é o estágio mais extremo de um processo que começa com violências psicológicas, morais e patrimoniais. “É importantíssimo dizermos que a violência que mata as mulheres começa com outra violência, como a psicológica ou a moral”, aponta.
Mudança cultural e educação como caminhos
Para reverter esse quadro, Xavier defende que “precisamos muito dos meios de comunicação, do sistema educacional para desconstruir essa ideia da desigualdade entre homens e mulheres desde quando as pessoas ainda são crianças”. Para ela, também é urgente regulamentar as plataformas digitais para coibir grupos que incentivam o ódio.
A coordenadora destaca também o papel do curso de Promotoras Legais Populares, presente em várias regiões do país e organizado por movimentos de mulheres. “É um curso gratuito para levar informação sobre o que temos de leis e direitos para as mulheres e como acessá-los, e também como enfrentar a violência”, explica. A proposta é formar multiplicadoras capazes de atuar na prevenção, acolhimento e orientação de mulheres em situação de violência.
Foto/Crédito: Brasil de Fato / Betina Juglair
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2025/12/01/violencia-contra-mulheres-mostra-avanco-da-misoginia-e-falta-de-informacao-sobre-acolhimento-diz-especialista/





