Alta da inflação e desemprego motivaram a maioria dos protestos contra o governo pelo país. Em Brasília, participantes também criticaram a reforma administrativa. Atos tiveram adesão menor do que as passeatas ocorridas em 7 de setembro
A oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tomou as ruas na tarde de ontem em dezenas de cidades brasileiras — e pelo menos 14 capitais. Se em protestos anteriores a defesa da democracia era uma das bandeiras principais dos atos, desta vez a crise econômica pautou as manifestações. Alta da inflação, fome e desemprego foram reclamações constantes entre os participantes e os políticos que discursaram.
Em São Paulo, Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (Psol), que disputaram a Presidência em 2018, criticaram as medidas do governo de combate à pandemia da Covid-19 e a situação econômica do Brasil. É a primeira vez que uma frente com partidos de esquerda, centro e direita se une em atos de protesto. Luiz Henrique Mandetta e João Amoedo, conservadores, também estiveram no ato. Embora fosse aguardado, o ex-presidente Lula não compareceu ao protesto, tampouco se manifestou.
Nas capitais, os atos foram marcados por faixas e elementos em alusão à carestia dos principais itens de consumo da população, como gasolina, gás, alimentos e energia elétrica. A figura de um botijão de gás e um saco de arroz infláveis se destacavam entre os manifestantes na Avenida Paulista. Havia ainda faixas com outras pautas reivindicatórias, como “vidas negras importam”, e protestos contra a conduta do governo no combate à pandemia.
Participante dos protestos em Brasília, o professor da rede pública Carlos Augusto Fernandes, de 55 anos, desabafou. “Há muitas décadas não via o país em situação tão ruim em relação à alta da inflação e à miséria, aumento da pobreza, concentração de renda, crimes do presidente que estão aí, com a corrupção acobertada pela PGR… motivos não faltam”, declarou.
Membro do Movimento de Luta nos Bairros (MLB), Edson Vitor Mendes, 22 anos, estudante de filosofia na Universidade de Brasília, afirma que a unidade popular é essencial para que o movimento “Fora, Bolsonaro” tenha chance de sucesso. “Para derrubar o Bolsonaro, é necessário que o povo vá para a rua, e não só fique esperando as eleições de 2022, porque o povo precisa comer hoje. O povo está morrendo hoje, tem gente sem ter onde morar hoje, e é na rua que a gente disputa isso”, disse.
Na capital federal, além de reunir estudantes, trabalhadores e movimentos sindicais, os atos contaram com a participação de funcionários públicos que protestaram, também, contra as privatizações e a reforma administrativa. Grupos de funcionários como os dos Correios levantaram faixas e cartazes contra as desestatizações.
Os protestos de ontem, visivelmente, reuniram menos gente do que os atos pró-governo, do dia 7 de setembro. Mas tiveram maior adesão do que os atos convocados pelos movimentos da “terceira via”, de 12 de setembro. Os números oficiais não haivam sido divulgados pelas Polícias Militares locais até o fechamento desta matéria. Doutora e mestre em ciência política e professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart explica que, ao analisar os atos, é importante não se ater a parâmetros irreais e não comparar a outras épocas, com contextos diferentes.
“Os parâmetros usados para analisar esse ato não podem ser parâmetros imaginários como, por exemplo, o movimento ‘Diretas Já’. Aquilo foi em outro tempo, as pessoas estavam saindo de 20 anos de ditadura militar”, explica a cientista política. Para a professora, mesmo com menor adesão, o saldo dos atos de ontem foi positivo. “Foi positivo pela capacidade de articular lideranças políticas de esquerda e de outros espectros políticos”, afirma.
Atropelamento
A maior parte dos protestos ocorreu sem violência grave. Mas, apesar do apelo de união feito por políticos críticos ao governo, houve episódios de truculência. Em São Paulo, o pré-candidato à presidência pelo PDT, Ciro Gomes, recebeu insultos de Antonio Carlos, representante do Partido da Causa Operária (PCO). Ao defender o ex-presidente Lula, Antônio Carlos chamou o presidenciável de “canalha”, puxando vaias à “terceira via”. As vaias, no entanto, foram devolvidas pelos apoiadores de Ciro.
No Recife, uma mulher de 29 anos foi atropelada ao deixar o ato contra o presidente, por um motorista que furou o bloqueio e fugiu do local sem prestar socorro. Por meio de nota, a Secretaria de Saúde do Recife informou que ela “teve uma fratura exposta no tornozelo esquerdo e um ferimento leve na parte posterior da cabeça”. Ainda segundo o documento, a vítima tinha “quadro de saúde estável e sem gravidades aparentes” ao dar entrada no hospital.
Em Fortaleza, motoristas também ameaçaram furar o bloqueio e avançar para cima de pessoas que estavam manifestando pacificamente, mas, segundo a imprensa local, a situação foi contornada pela polícia.
Por Fernanda Strickland e Fernanda Fernandes
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