O Sintrajufe/RS, a CUT/RS e outras organizações sindicais estiveram, nessa quarta-feira, 24, em frente ao Consulado da Argentina em Porto Alegre, em manifestação de apoio às trabalhadores e aos trabalhadores argentinos, denunciando os ataques do presidente Javier Milei e sua tentativa de restrição ao direito de greve, as privatizações e as desregulamentações, os ataques aos serviços públicos e à soberania nacional, favorecendo empresas multinacionais. Atividades como essa aconteceram em diversas partes do mundo. A entrevista ao Sintrajufe/RS concedida pelo colega argentino Matías Fachal demonstra o quanto estamos próximos e que a luta por direitos, mesmo os mais elementares, sobrepõe-se às fronteiras. Fachal é secretário-geral da Federación Judicial Argentina (FJA), entidade irmã da Fenajufe. Ele detalha pontos do programa de Milei, deixando explícita a relação com o programa aplicado por Bolsonaro e Paulo Guedes no Brasil.
Na quarta-feira, o Sintrajufe/RS, a CUT e várias outras organizações estiveram no Consulado da Argentina, em Porto Alegre, prestando solidariedade à greve geral convocada pelas centrais sindicais contra o pacote de Milei. Vimos milhares de pessoas no protesto em Buenos Aires. Como foi a preparação do movimento?
Desde já, agradecemos toda a solidariedade oferecida pelo movimento internacional dos trabalhadores, de diferentes pontos do mundo, que cercaram as embaixadas e consulados da república Argentina. Manifestaram apoio e solidariedade a essa onda geral que surgiu em 28 de dezembro, tanto nas instâncias gerais e regionais da CGT como num plenário conjunto de delegados entre ambas CTAs [Central de Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina], a Federação Judicial Argentina (FJA), organicamente a CTA autônoma. Há sindicatos dentro de suas fileiras, de trabalhadores do Judiciário, que fazem parte da FJA e da CGT ou a CTA dos trabalhadores, mas também as que são da CTA autônoma. Em 28 de dezembro se fixou como meta a greve geral e mobilização em 24 de janeiro.
A partir daí se sucederam diversas plenárias, intersindicais e multissetoriais em diversas cidades, para ir construindo este meio de força que foi completamente massivo e contou com um grande apoio em todo o país. Todas as cidades da Argentina, com expressão, mobilizaram-se. A maior parte, obviamente, foi em Buenos Aires, em frente ao Congresso Nacional, onde calculamos que mais de 600 mil ou 700 mil pessoas foram parte desta histórica mobilização, na qual se exige da Câmara dos Deputados e a de senadores que rejeitem o projeto de “Lei Ônibus” apresentado pelo Executivo.
Por sua vez, também pedimos que não ratifiquem o megadecreto de necessidade e urgência apresentado pelo Executivo, já que o consideramos completamente nulo, inconstitucional e, além do mais, o projeto de lei pretende outorgar a soma do poder público ao presidente da nação, que pretende, praticamente, fechar o Congresso, dando [a Javier Milei] faculdades legislativas extraordinárias que são indelegáveis. À parte todos os danos e violações que geram essa lei diante dos direitos constitucionais de todo o povo argentino, não somente da classe trabalhadora.
No Brasil, o golpe de 2016 (derrubada do governo Dilma) foi seguido por privatizações e “reformas” como a trabalhista e previdenciária, que retiraram direitos dos trabalhadores. Vimos que o pacote de Milei tem semelhanças. O que você destacaria? Há alguma ameaça ao direito de organização dos trabalhadores?
Efetivamente, os planos de governo e econômicos têm bastante similaridades, se compararmos os formulados por Milei aos do governo de Bolsonaro no Brasil. Também podemos encontrar o mesmo em outras expressões da direita e da ultradireita global. Entre os pontos principais que contém este projeto de lei, mas também o megadecreto, há questões, por exemplo, como a lei previdenciária, que tem que ver com as aposentadorias e sua forma de atualização; a lei de aluguéis; a limitação de greves, declarando serviços essenciais, atividades ou ramos de atividade trabalhistas de maneira completamente ilegal, cerceando inclusive a realização das assembleias.
Também há a mudança da Lei de Terra, que de alguma maneira limitava a venda de terras para estrangeiros nas zonas fronteiriças. O mesmo também com a Lei de Fogo, que era uma maneira, ou é uma maneira, de evitar que a mata nativa seja queimada de modo deliberado para a produção agropecuária ou especulação de terras, afetando o ecossistema.
Além disso, propõe a liberação de tarifas dos serviços públicos e de transportes sem nenhum tipo de controle. Entre as questões mais preocupantes está a venda, a privatização de umas 40 empresas do Estado ou públicas. Privatizando, por exemplo, o sistema ferroviário da Argentina.
Há muitas questões complexas colocadas tanto na lei como no decreto, comprometendo a estabilidade no emprego público para todos os trabalhadores e trabalhadoras do Estado nacional.
No setor privado, estende o contrato de experiência para oito meses, garantindo dessa maneira mão de obra barata para os empresários e, inclusive, exime de pagamento de multas laborais, de tributos, com o que também põe em risco todo o sistema de seguridade social, desregula também as obras sociais e gera uma multiplicidade de danos incomensuráveis que pode chegar a demorar décadas para recuperar.
Qual a política de Milei para os servidores e os serviços públicos?
Além deste megadecreto e do projeto de “Lei Ônibus”, também publicaram um decreto que é o número 84, onde se demitiram mais de 7 mil trabalhadores e trabalhadoras designados em 2023. Além disso, revisa o contrato de mais de 65 mil trabalhadores e trabalhadoras designados nos últimos anos, no Estado, os quais se encontram completamente precarizados e sem estabilidade em seu emprego.
Fecharam a metade dos ministérios, aproximadamente 60% de subsecretarias e 40% de secretarias no Estado, deixando muitos trabalhadores e funcionários “no ar” ou sem tarefas, ou completamente na incerteza do que vai haver com seu emprego.
Propõe fechar também órgãos, organismos, institutos do Estado, como, por exemplo, o de ciência e tecnologia, o Conicet [Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas], que é aquele que leva à frente todas as pesquisas para o progresso e o desenvolvimento científico e tecnológico do nosso país.
Propõe também fechar empresas como a ARSAT [Empresa Argentina de Soluciones Satelitales], que põe em órbita os satélites, trata da comunicação tecnológica avançada em toda a pátria, trata da rede fibra óptica, que tem quase 40 mil quilômetros de extensão em todo o nosso país.
Propõe, inclusive, fechar áreas fundamentais, que são as que têm o controle sobre os medicamentos ou alimentos, como é o caso do Anmat [Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología] ou da Senasa [Servicio Nacional de Sanidad y Calidad Agroalimentaria]. Vemos com muita preocupação, pois expulsa do emprego público, do Estado, uma grande quantidade de trabalhadores, trabalhadoras, funcionários e funcionárias de excelência, com muita capacidade técnica e intelectual, muita preparação e experiência nessas áreas, também colocando em risco toda a população e em um atraso de desenvolvimento tecnológico e industrial o país.
Além de todo o favorecimento à especulação financeira, em relação à política econômica, em detrimento do desenvolvimento industrial. Vão contra o progresso do país.
O mote da greve foi “Pátria não se vende”. Como Milei ameaça a soberania nacional? Como você vê a incidência do FMI no governo?
Efetivamente, o lema foi “A pátria não se vende, se defende”. Já comentei, em linhas gerais, sobre a venda e privatizações de empresas e serviços públicos de áreas estratégicas e fundamentais do Estado. Há o atraso do avanço tecnológico e industrial que a implementação das políticas de Javier Milei vai representar.
Ademais, quanto à soberania, por exemplo, que mencionei anteriormente, a respeito da estrangeirização, a partir da Lei de Terras, queima de matas nativas para especulação agropecuária e imobiliária. Também há reformas da Lei de Pesca e a possibilidade de que as empresas transnacionais, estrangeiras, possam remeter seus lucros para fora do país, sem nenhum tipo de controle.
Se propõe inclusive privatizar o Banco da Nação Argentina, que é público. Entre suas promessas de campanha estão fechar o Banco Central e a intenção de dolarizar a economia, contra a moeda nacional, o peso argentino.
Todas essas questões são violações à nossa soberania, já que pretende que essas empresas possam se instalar no país sem nenhum tipo de controle. Existem também limitações que impõe à produção nacional, tanto para exportar como para importar insumos produtivos para a indústria.
Em troca, facilita a todas as empresas estrangeiras que possam também realizar seus lucros e trazer seus produtos sem nenhum controle ou imposto e, dessa maneira, destruir a indústria nacional. Não aposta nos acordos econômicos regionais; pelo contrário, quer liberar completamente a economia, para submeter-se às potências estrangeiras, imperialistas, como no caso dos EUA, incluindo também o desenvolvimento armamentista e defesa nacional, submetendo-se ao consórcio do aparato militar estadunidense e israelita.
Diretores do Sintrajufe/RS avaliam mobilização de apoio aos trabalhadores argentinos
O Sintrajufe/RS, assim como a CUT/RS e outras entidades sindicais e movimentos sociais, estiveram presentes no ato que ocorreu em Porto Alegre.
“Os problemas que atingem o povo argentino (desemprego, trabalho precário e informal, concentração de renda) são os mesmos que enfrentamos, pois o responsável é o mesmo, o projeto neoliberal, que tira dos trabalhadores e das trabalhadores para sobrar mais para a especulação financeira”, afirma o diretor do Sintrajufe/RS Fabrício Loguércio. Ele entende que, quanto antes a Argentina conseguir se livrar “desse ultraliberalismo com caráter facista do Milei, que se assemelha ao de Bolsonaro/Guedes, melhor para a classe trabalhadora de toda a América Latina”.
Na avaliação do diretor do Sintrajufe/RS Marcelo Carlini, o pacote de Milei, apoiado pelo FMI e pelos empresários argentinos e estrangeiros, “tem toda a relação com o que já enfrentamos no Brasil. Sabemos que segue aqui a pressão para gerar superávit primário e pagar juros da dívida, a mesma pressão dos que não aceitam reverter os efeitos nefastos das reformas trabalhista e da Previdência. Apoiar a luta contra Milei é reforçar a nossa luta; sua derrota será a vitória dos trabalhadores argentinos e brasileiros”.
Fotos: Federación Judicial Argentina (FJA) e CUTRS