Comissão de Seguridade promoveu debate sobre o tema
Representantes de entidades médicas denunciaram, em audiência na Câmara dos Deputados, a precarização de serviços diante da baixa remuneração dos planos de saúde aos profissionais, clínicas e hospitais. O debate foi realizado nesta quinta-feira (1º), na Comissão de Seguridade Social e Família, e também contou com representantes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
A partir da próxima semana, a Câmara também deve tratar do tema por meio de comissão especial.
Uma das polêmicas são os novos modelos de remuneração estudados e já adotados por algumas operadoras de planos de saúde. Em tom de desabafo, o vice-presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Otto Baptista, cobrou transparência nesse debate e reversão do atual quadro de precarização.
“Um contrato precarizado que coloca o prestador de serviço em situação instável e insegura, tendo que trabalhar além da conta para poder chegar a um valor que o mantenha e mantenha seu consultório ou clínica. Se a gente for reivindicar uma glosa, é um 0800 e uma musiquinha: e a gente fica naquela expectativa se vai receber, se vai ter o resgate daquilo ou não. A tabela de hoje, a CBHPM, é injusta e não remunera adequadamente o profissional”, disse Otto Baptista.
A maior parte dos médicos é remunerada hoje pelo modelo de pagamento por procedimento (fee for service). Porém, as operadoras de planos de saúde discutem a adoção de outras fórmulas, como o capitation, em que há um pagamento fixo por pessoa atendida.
O presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), José Beniz Neto, apresentou um abaixo-assinado de 14 mil médicos da especialidade com fortes críticas ao capitation, que já estaria sendo exigido em alguns contratos de oftalmologistas com planos de saúde.
“O capitation cria incentivos para uso de recursos apenas mínimos no cuidado do paciente, em vez de buscar cada vez mais níveis superiores de qualidade”, afirmou Beniz Neto.
Outros modelos
Entre os outros modelos de remuneração estudados, estão a orçamentação global, com pagamento único pelo atendimento total da população servida por um prestador; o bundled, com pagamento por episódio clínico do paciente; o DRG, com pagamento baseado na classificação do caso ou doença tratada por meio de um valor previamente acordado; e o P4P, também conhecido como pagamento por performance.
A ANS acompanha esse debate e anunciou um seminário virtual sobre o tema para este mês, além da retomada da Câmara Técnica de Contratualização e Relacionamento com Prestadores (Catec).
O diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, César Serra, afirmou que não existe vedação legal para nenhum dos modelos de remuneração e que a premissa deve ser a garantia de atendimento de qualidade para o paciente. Segundo Serra, a agência não interfere nessa negociação entre médicos e planos de saúde.
“Não tem um modelo que sirva como solução única. As operadoras e os prestadores devem avaliar os prós e os contras para acordar o modelo a ser usado conforme o caso e o objetivo pretendidos. Na discussão que envolve operadora e prestadores, a gente sempre tem que colocar no centro do debate o consumidor e o paciente”, disse César Serra.
Integrante do Conselho Diretivo da Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira (AMB), Florisval Meinão foi explícito na crítica aos novos modelos de remuneração.
“Ora, o trabalho do médico tem que ser remunerado por aquilo que ele faz. A única fórmula de se remunerar pelo que se faz é o pagamento por serviços prestados. Todas essas (outras) fórmulas são prejudiciais, especialmente aos pacientes”, declarou.
O presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde, Renato Casarotti, afirmou que a sustentabilidade financeira do setor é tão frágil quanto a da Previdência Social. Ele lembrou que, de 2010 até agora, 336 operadoras fecharam ou se incorporaram, o que representa um encolhimento de 32%. Segundo Casarotti, o pagamento por procedimento, em alguns casos, gera abusos e tratamentos desnecessários.
“Tem menos gente para pagar cada vez mais e isso faz com que o custo per capita suba. Não é uma conta fácil de fechar. Esses outros modelos surgiram para fazer frente ao que vinha acontecendo na saúde suplementar como um todo. Sempre haverá pagamento por procedimento, mas, como único modelo ou modelo preponderante, ele gera desvio sim”, disse Renato Casarotti.
Ele acrescentou que, “independentemente do modelo de remuneração, deve-se melhorar os desfechos clínicos, reduzir o custo per capita da assistência e melhorar a experiência do paciente”.
Insatisfação dos médicos
Representante do Conselho Federal de Medicina (CFM), Salomão Rodrigues Filho relatou a elevada insatisfação dos médicos com as operadoras de planos de saúde. “Há grande predomínio de força das operadoras, interferência na autonomia do médico, baixa remuneração, glosas injustificadas, insegurança contratual e não cumprimento da Lei 13.003/14 [que trata da obrigatoriedade de contratos escritos entre as operadoras e seus prestadores de serviço]”.
Para contornar o atual quadro de precarização, o CFM recomendou protocolos médicos para orientação dos trabalhos, atenção primária como forma de prevenção e redução de sinistros, prontuário eletrônico e maior parceria entre operadora e prestadores de serviço.
O presidente da Comissão de Seguridade Social e Família, deputado Dr. Luiz Antônio Teixeira Jr. (PP-RJ), apelou para que os conflitos entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviço não prejudiquem os usuários.
“O modelo atual pode ter muito problema, mas, de uma forma ou de outra, consegue atender o conceito do usuário que busca um plano de saúde. As operadoras são empresas privadas e têm que buscar o lucro, mas têm que se ater à prestação de serviço de qualidade para quem está comprando aquele serviço”, disse o deputado.
A Abramge e a FenaSaúde argumentam que a busca de novos modelos de remuneração é uma tendência mundial. Foi citada uma pesquisa, feita nos Estados Unidos, que aponta burocracia administrativa, tratamento excessivo, fraude, sobrepreço e falha no atendimento como as principais fontes de desperdício no setor.
Comissão especial
Organizador do debate, o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR) anunciou que a Câmara vai buscar a superação dessas divergências por meio da Comissão Especial dos Planos de Saúde. O colegiado vai analisar 249 projetos de lei que tratam do tema (PL 7419/06 e apensados).
“Na terça-feira, vai ser instalada a nossa comissão especial, onde vamos nos debruçar no tema. Vamos tentar aperfeiçoar esse modelo. Isso vai ser discutido por todas as instituições que têm interesse na matéria”, explicou.
Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), 75,6 milhões de brasileiros são atendidos hoje por 696 planos de assistência médica (48 milhões de usuários) e 351 planos exclusivamente odontológicos (27,6 milhões). A diretora-executiva da federação, Vera Valente, afirmou que é preciso saúde financeira do plano para se garantir a qualidade do serviço.
Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Pierre Triboli
Fonte: Agência Câmara de Notícias