Repasse de verbas a deputados garantiu aprovação da PEC dos Precatórios, que prevê calote do governo em dívidas da União e abre o orçamento para gastos eleitorais
São Paulo – Sem uma agenda política, o governo de Jair Bolsonaro sustenta sua manutenção por meio do orçamento secreto, que previa a distribuição de R$ 16 bilhões para emendas parlamentares. Ao suspender essas pagamentos, após decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), o funcionamento do modus operandi do governo federal foi detonado.
Na avaliação do cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, sem a possibilidade de distribuir emendas, o governo Bolsonaro sofre um desmonte na construção de sua governabilidade, feita apenas para a manutenção desse mandato.
Na liminar que foi concedida pela ministra na noite de sexta-feira (5) em ação ingressada pelo Psol, Rosa Weber determina que nenhum recurso indicado por parlamentares via emendas de relator seja liberado até que o plenário da Corte se manifeste sobre o tema.
“Tirar o orçamento secreto detona o funcionamento do governo e, nesta semana, teremos debates cruciais que refletirão em 2022, que é a decisão do STF sobre a manutenção dessa liminar e a PEC dos Precatórios. Essa decisão do STF pode aplicar um efeito dominó sobre as decisões do parlamento”, afirmou o cientista político, em entrevista ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.
Futuro em jogo
Com o orçamento secreto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), teria prometido até R$ 15 milhões em emendas para que parlamentares votassem a favor da chamada PEC dos Precatórios. Além desse valor, o governo Bolsonaro empenhou, desde a semana passada, R$ 1,2 bilhão das chamadas emendas de relator-geral.
No mês passado, durante a primeira investida para a aprovação da proposta, o valor empenhado chegou a R$ 2,95 bilhões. Dessa maneira, a PEC dos Precatórios foi aprovada com 312 votos a favor e 144 contra.
Segundo Marchetti, emendas parlamentares sempre fizeram parte da relação entre Executivo e Legislativo, mas isso sempre foi feito de maneira transparente. “Esse orçamento secreto fugiu dessa lógica, com um repasse de R$ 16 bilhões para emendas, sem alguma transparência, apenas destinado para o parlamento salvar a guarda do governo”, criticou.
Para o cientista político, desde as ações de Eduardo Cunha enquanto presidia a Câmara dos Deputados, que culminaram no impeachment de Dilma Rousseff, se tornou necessário um profundo debate sobre os limites do cargo.
“O Cunha comandou e pilotou os pedidos de impeachment da Dilma e mostrou que ele poderia desrespeitar as urnas e valores democráticos, a partir de interesses individuais. Com o Arthur Lira, fica clara a necessidade de debater os limites do poder dessa função, como ignorar pedidos de impeachment por vontade própria. A presidência do Lira é um caso de estudo para mostrar como seu cargo tem poderes ilimitados e possibilita manobras, como ter um orçamento de R$ 16 bilhões. Debater os limites desse poder precisa estar na agenda de reconstrução do país a partir de 2022”, acrescentou.