Para compreender melhor as questões em torno do teletrabalho, essa modalidade imposta aos servidores em decorrência da pandemia pelo Novo Coronavírus, o Sindjuf-PA/AP conversou com a militante em saúde do trabalhador (a), Mara Rejane Weber.
Mara é servidora aposentada do TRT da 4ª Região, diretora do Sintrajufe do Rio Grande do Sul, fundadora do Fórum Sindical de Saúde do(a) Trabalhador(a) – FSST, palestrante em diversos eventos sobre o tema saúde no trabalho, assédio no trabalho, questões de gênero e já coordenou várias pesquisas sobre saúde dos trabalhadores.
► Acompanhe a entrevista na íntegra:
SINDJUF-PA/AP – Na sua opinião quais as vantagens e desvantagens do Teletrabalho?
MARA – Vantagens e desvantagens nesse tipo de organização do trabalho é muito subjetivo. O que pode ser vantagem para uma pessoa pode ser desvantagem para outra. A maioria dos colegas apontam como vantagem o fato de poder organizar seus próprios horários, escapar do trânsito, sobrando mais tempo para si e sua família. Porém o alerta que os estudiosos em saúde no trabalho e organização do trabalho fazem é de que nem todas e todos conseguem organizar sua rotina em casa. Também que no longo prazo o isolamento do convívio social com os demais colegas pode levar à depressão e a diminuição da produtividade.
A troca de informações entre colegas no dia-a-dia é fundamental para construir a inteligência no trabalho. Somos seres sociais que aprendem coletivamente. O que temos notado em vários estudos é que o ideal passa por um modelo misto de trabalho em casa intercalado com trabalho presencial.
Mas é importante registrar nesse momento, que o que estamos fazendo durante a pandemia não pode ser conceituado como teletrabalho que fazíamos antes. Agora estamos numa situação de trabalho remoto compulsório, imposto por uma questão de saúde pública. E este modelo defendemos até que haja condições de segurança sanitária para um retorno.
E esse trabalho remoto compulsório tem característica e está inserido numa condição específica, com seus problemas de ordem de estrutura e saúde no trabalho também específicas.
SINDJUF-PA/AP – A categoria está bem orientada e amparada para desenvolver o teletrabalho?
MARA- Em termos de orientação antes da pandemia tínhamos uma situação que se pode avaliar como boa. Já o amparo já ficava a desejar antes da pandemia por conta de cobrança de produtividade maior e descompromisso dos órgãos com as condições de trabalho.
Durante a pandemia, o trabalho remoto compulsório, temos relatos envolvendo problemas em operar o sistema de suas casas, falta de estrutura de internet, cadeiras e mesas inadequadas. Alguns colegas literalmente “travaram” e não conseguiram trabalhar e não houve um atendimento adequado a esses colegas.
SINDJUF-PA/AP – O que os grupos de saúde da categoria têm avaliado em relação às atuais condições de trabalho?
MARA– Aqui no Sintrajufe/RS estamos desenvolvendo uma pesquisa sobre o trabalho remoto na pandemia. Fizemos 3 grupos de escuta com a participação de colegas nas mais diversas situações (idade, órgão, interior e capital, atribuições, com filhos, sem filhos, com pessoas idosas ou do grupo de risco para cuidarem).
Nesses grupos focais fizemos a escuta dos colegas a fim de construir as perguntas do questionário a partir do olhar de quem está vivendo o trabalho remoto na pandemia.
A preocupação com a queda da produtividade, sobrecarga e um sentimento de exaustão foram bem constantes. Principalmente as colegas mulheres tendo como motivos apontados a diferença na divisão do trabalho doméstico, cuidado com filhos e idosos, jornadas mais extensas e dificuldade de separar tempo de trabalho e não trabalho. Dificuldade com os sistemas de processos eletrônicos, com ênfase nas queixas de quem opera o PJe. Nessas escutas embora todos entendessem que o mais seguro diante da pandemia era a continuidade do trabalho remoto apenas uma minoria entendia como positivo o trabalho nesse formato. Mesmo que fazia teletrabalho antes da pandemia ressaltou que o trabalho nesse momento nada tem de igual ao teletrabalho exercido antes da pandemia.
Também ficou evidente a necessidade de estrutura física (mesa, cadeira, computador, pacote de internet…) bancada pelo órgão bem como formação de servidores e servidoras e das chefias que em boa parte não tem habilidades em gestionar essa modalidade de trabalho criando situações que se não configuram beiram ao assédio moral.
SINDJUF-PAA/AP – O teletrabalho representa perda ou ganho para a categoria? Há controvérsias quando se diz que o teletrabalho diminui o estresse e promove o bem-estar, já que a pessoas pode estar perto da família.
MARA- Novamente é uma questão muito subjetiva. Mas há indicadores gerais nos quais podemos afirmar que a modalidade de teletrabalho trás mais perdas que ganhos. ( e agora estou falando teletrabalho exercido antes da pandemia e não o trabalho remoto compulsório em que estamos) Embora o estresse do deslocamento até o trabalho, do horário a cumprir seja diminuído e que a maior convivência com filhos(as) e familiares seja apontado como positivo, existem estudos que demonstram que a longo prazo a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras em regime exclusivo de teletrabalho sentem o peso do isolamento, a perda da produtividade pela falta de troca com os colegas e não raro padecem de depressão ou outro tipo de sofrimento mental. É inaceitável também a cobrança de maior produtividade no teletrabalho e precisamos avançar em uma regulamentação que garanta que o empregador (órgão do Judiciário) forneça os equipamentos necessários para o trabalho e se responsabilize também pela saúde no trabalho de quem está no teletrabalho.
SINDJUF-PA/AP – Em se tratando de luta sindical, esse distanciamento coletivo não seria prejudicial para a categoria?
MARA – Do ponto de vista de organização da categoria o processo de isolamento e dispersão acaba prejudicando a luta por direitos e contra perdas de direito. Há um risco grande de individualização e perda de vínculo com o coletivo. Porém, nesse aspecto, estamos aprendendo com a pandemia e com o trabalho remoto compulsório que podemos exercer um distanciamento físico, mas não precisamos estar isolados socialmente. Temos conseguido inclusive ampliar o contato do sindicato com a base da categoria. A partir desse momento que vivemos nada será como antes. Estamos aprendendo a nos conectar como nunca e usar a tecnologia para organizar a luta, fazer formação e mobilizar opiniões. O movimento sindical está ativo e os movimentos sociais atuantes. Tenho muita esperança de um salto de qualidade organizativo do movimento sindical e dos movimentos sociais em geral na luta por um mundo com justiça social e ambiental.
SINDJUF-PA/AP – Existem indicativos de adoecimento físico e psíquicos dentro da categoria em relação ao teletrabalho?
MARA- Em pesquisa realizada pelo Sintrajufe/RS em 2018/2019 em parceria com UFRGS, UFCSPA e UFPEL e coordenação técnica do Professor Fernando Feijó e a Profa. Ana Claudia Fassa temos alguns indicativos. A pesquisa aponta que servidores (as) em teletrabalho apresentam maior incidência de transtornos mentais comuns, dor lombar, ardência ocular e cansaço ocular. Também revela que a cobrança por metas excessivas é maior sobre os e as colegas em teletrabalho o que pode explicar o agravamento de adoecimento achado nesse estudo para esse tipo de organização do trabalho.
Já sobre o trabalho remoto compulsório que estamos vivendo ainda não temos indicativos. Mas teremos em breve e ficaremos felizes em partilhar os achados com todos e com isso contribuir para construção de propostas junto aos órgãos que melhore as condições de trabalho e vida da nossa categoria e possa contribuir também com essa discussão sobre o trabalho remoto compulsório por conta da pandemia e o teletrabalho.
SINDJUF-PA/AP – Você acredita que há isonomia nas condições de trabalho entre homens e mulheres que têm desempenhado o trabalho remoto?
MARA – Há muita desigualdade na divisão do trabalho doméstico e aquele que exige cuidados com filhos, idosos e outros vulneráveis. Essencialmente essas tarefas estão sob responsabilidade das mulheres. E isso independentemente de renda familiar. Pesquisa do IPEA realizada em 2015 (Retrato da desigualdade gênero e raça – 20 anos IPEA 1995/2015) demonstra que entre a população ocupada com mais de 16 anos que realiza afazeres domésticos, conforme renda familiar a diferença entre mulheres e homens na participação de tarefas domésticas conforme a renda é muito pequena. Entre aqueles (as) que ganham até 1 salário mínimo temos 93,0% de mulheres desempenhando tarefas domésticas contra 48,8% de homens e entre quem ganha mais de 8 salários mínimos a participação feminina é de 79,5 de mulheres e 55,2% de homens. Isso demonstra que a emancipação das mulheres ainda tem um longo caminho a percorrer. E essa realidade aparece também no teletrabalho em tempos de não pandemia onde não há dúvidas que a mulher será mais sobrecarregada. No trabalho remoto compulsório agora na pandemia a situação é mais dramática com colegas mulheres da categoria realmente chegando no limite da exaustão. Sem falar na violência doméstica que aumentou durante a pandemia. Essa é uma questão que não pode ser negligenciada e que o sindicato precisa fazer a escuta e se desafiar a construir ambientes de acolhimento e defesa das colegas mulheres da categoria. E quem dera pudéssemos construir uma rede no movimento sindical para o acolhimento e defesa de todas as mulheres em situação de violência ou abuso.
SINDJUF-PA/AP- Quais são os principais desafios dessa modalidade de trabalho? E o que precisa ser feito para melhorar as condições do trabalho feito em casa?
MARA – Entendo que nesse momento dentro da pandemia devemos garantir o direito ao trabalho remoto como um direito à preservação da vida e da saúde. Mas também precisamos discutir com os órgãos o fornecimento de equipamentos e ressarcimento de despesas como internet, por exemplo.
No caso de um retorno próximo ao normal e o restabelecimento do teletrabalho, da mesma forma, precisamos avançar na discussão da responsabilização do órgão pelas condições materiais necessárias para o desempenho do trabalho, bem como retirar a imposição de meta maior nessa modalidade. E defendo que o teletrabalho em uma situação sanitária normal deva ser intercalado com a presença e socialização com colegas. Além disso, a partir dos ensinamentos apreendidos durante a pandemia que possamos manter os colegas e as colegas, que optarem pelo teletrabalho, conectados (as) com o sindicato e sentindo-se parte da categoria. O individualismo e o isolamento são inimigos das conquistas da categoria. Juntos e juntas somos mais fortes. Estamos sob ataque. O governo Bolsonaro/Mourão/Guedes elegeu os servidores e servidoras como inimigos (as). Querem acabar com tudo que é público e nós somos o entrave para esse plano. A reforma administrativa, em seus diversos projetos que tramitam no Congresso, exige de nós muita luta. Precisamos cada vez mais ouvir nossa base, discutir e construir consciência de classe. Nos organizarmos em defesa do serviço público. Já imaginaram que seria de nós se o SUS não existisse? O que já é uma tragédia seria muito, muito pior.