No Dia da Consciência Negra, as reflexões de Patrícia Fernanda dos Santos, servidora da Justiça Federal do Rio de Janeiro e fundadora do Coletivo Negro da instituição, lançam luz sobre a importância da representatividade nas instituições públicas. Patrícia destaca que a ausência de paridade de gênero e raça nos cargos de poder reflete a persistência de uma sociedade patriarcal, racista e misógina.
“A falta de representação é mais uma estratégia do sistema fundado e pautado no racismo, pois dar voz ao grupo historicamente excluído é permitir que seja considerado tão possuidor de direitos como qualquer outro, escancarar as injustiças históricas e combater efetivamente os privilégios do grupo que domina.”
Patricia destaca que o combate ao racismo está intrinsecamente ligado à defesa dos direitos dos trabalhadores negros, que frequentemente ocupam a base da pirâmide salarial. Ela enfatiza que o sindicato deve reconhecer a multiplicidade das opressões para proteger efetivamente os direitos dos trabalhadores.
Ao abordar o movimento negro, Patricia ressalta as conquistas alcançadas, como políticas públicas de reparação e equidade racial, incluindo as cotas. No entanto, ela alerta para a necessidade de avançar na concretização de medidas que efetivamente eliminem as desigualdades.
“O movimento negro, daí usando um conceito que englobe todos os grupos de ativistas que desde o início da diáspora africana busca liberdade e igualdade, vem driblando as estratégias da hegemonia branca e colonial para os avanços que conquistamos, como as políticas públicas e institucionais de reparação e equidade racial, tal como as cotas. Hoje a sociedade já discute o assunto e já usa comumente o termo “racismo estrutural” (até demais). Com muita luta saímos de um lugar onde nem se falava no assunto, onde o racismo recreativo era só brincadeira e “somos todos raça humana”, a ideia de democracia racial não cola mais, avançamos. Mas até o conceito de estruturalidade do racismo já foi adaptado para ser usado contra o negro, como se justificasse condutas individuais e institucionais de agressão. Então hoje o que se precisa avançar é na concretização de medidas que efetivamente derrubem a permanência de desigualdades absurdas.”
Patrícia também fala sobre a consciência negra e a luta contra o racismo: Hoje então nós nominamos aquilo que sempre existiu, que causa opressão de descendentes do povo sequestrado em África, injustiça social, agressões e sofrimento individual e coletivo. Essa consciência de que nós pretos somos forjados por toda essa carga que atravessa a história da vida atual e ancestral é libertadora, mas também nos alerta para a necessidade de manter a luta ativa enquanto houver racismo. Você pergunta sobre minha experiência, e digo que ter consciência negra é gradual, cansativo, indignante e motivador, empoderador. Eu digo que toda bala que mata um negro atinge a todos, mas também a felicidade ou conquista de um preto eleva a todos nós, que, ao final, lutamos por isso, pelo direito de ser feliz.
As reflexões de Patricia ecoam nas palavras de Raimundo Dickson, advogado do Sindjuf-PA/AP. Ele acredita que o direito desempenha um papel crucial no combate ao racismo, promovendo a diversidade racial e a liberdade religiosa. Dickson destaca a importância de reconhecer o papel fundamental dos negros e negras na construção de sociedades, enfatizando que a consciência negra não se limita à cor da pele.
“Não necessariamente você precisa ser negro para ter uma consciência negra, mas ser negro é ter a convicção da importância dos negros e negras para a história da sociedade. Os negros e negras foram fundamentais para a construção de sociedades, países e nações. Ter consciência negra é valorizar, é destacar, é respeitar, é estar lado a lado desse povo maravilhoso, que são nossos irmãos.”
Conceição Mota, diretora de base do Sindjuf-PA/AP, destaca a importância do Dia da Consciência Negra para homenagear Zumbi dos Palmares e refletir sobre o significado dessa consciência. Ela ressalta que a reflexão deve ser diária, enfatizando a necessidade de combater o racismo estrutural que permeia a sociedade.
“Essa reflexão tem que ser feita diariamente, onde quer que estejamos, na família, no trabalho, na escola, no sindicato, nos grupos políticos, grupos religiosos, etc…, pois, infelizmente, ainda vivemos numa sociedade estruturada na violência, submissão, desigualdade e invisibilidade do povo negro. Enfim, é levantarmos a bandeira e lutarmos juntas e juntos por vida digna para negras e negros, no Brasil e no mundo, sem esquecer aqueles e aquelas que nos antecederam na trajetória dessa luta histórica.”
Daise Santos, coordenadora jurídica do Sindjuf-PA/AP, aponta desafios na busca por uma sociedade mais justa e igualitária, mesmo com políticas afirmativas como as cotas. Ela destaca a elitização no judiciário federal e a importância de exemplos de mulheres negras que alcançaram posições além das tradicionalmente ocupadas por essa população.
“Mesmo diante das políticas afirmativas implementadas pelo Estado, como o sistema de cotas, que proporcionaram a uma parcela limitada da população negra o acesso a ambientes historicamente dominados por pessoas não pretas, como universidades federais e órgãos públicos, especialmente o judiciário federal, percebemos que estamos ainda longe de alcançar uma verdadeira sociedade racialmente justa. Minha experiência como servidora do judiciário federal demonstra como esse meio ainda é elitizado, na qual a população negra permanece como uma minoria, frequentemente relegada a ocupar funções relacionadas a serviços gerais, como a limpeza. Portanto, destaco a relevância de casos como o meu, uma mulher preta que conseguiu ultrapassar as barreiras que muitas vezes limitam pessoas de origens semelhantes. Isso não apenas serve como um exemplo de superação, mas também ressalta a importância das oportunidades. Essa conquista não está exclusivamente ligada à meritocracia, mas sim à disponibilidade de oportunidades.”
Essas reflexões ressaltam a importância contínua da luta por representatividade e igualdade racial, desafiando estruturas discriminatórias e destacando a necessidade de ações concretas para construir uma sociedade mais justa e inclusiva.