A Justiça Eleitoral discute medidas “alternativas” para minimizar o problema de falta de servidores. Entre essas medidas está a terceirização de diversas atividades e serviços nos cartórios eleitorais.
O tema esteve em debate em dezembro do ano passado, durante o Encontro Nacional de Dirigentes de Gestão de Pessoas da Justiça Eleitoral. Realizado na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o evento foi conduzido pela Secretária de Gestão de Pessoas do TSE (SGP/TSE) e reuniu representantes das administrações de todos os tribunais regionais eleitorais (TREs) do país, incluindo o TRE-RS.
No Encontro, a SGP apresentou a situação do quadro de servidores no país. Conforme a apresentação, que o Sintrajufe/RS teve acesso, são 14.719 servidores efetivos e mais 8.251 requisitados, que representam 35,92% do total de 22.970. Destes, 1.208 (8,21%) estão em abono permanência. O relatório da Secretaria de Gestão de Pessoas também aponta que “41% dos requisitados deverão retornar ao órgão de origem até 30/6/2025 e que 7% têm prazo vencendo entre julho e dezembro de 2025, o que corresponde a 48% do total de requisitados, ou seja, 3.995 servidores deverão ser devolvidos no próximo ano” – em 2025.
Preparar eleições não pode ser responsabilidade de empresas privadas
O quadro é, de fato, preocupante. Mas parte das “soluções” apontadas pela SGP do Tribunal Superior Eleitoral gera ainda um outro tipo de preocupação: a precarização – tanto das condições de trabalho quanto do serviço prestado à população e ao país.
Após apresentar os dados, o mesmo relatório retoma propostas apresentadas em 2023 por um grupo de trabalho criado pelo TSE “com o objetivo de realizar estudo para o apontamento de medidas alternativas visando à superação da insuficiência da força de trabalho”. E aponta que uma resolução do TSE, em 2023, estipulou limite de dois anos para que os TREs adotassem providências necessárias para reduzir as requisições de servidores.
Uma dessas medidas, elencada como “ainda não implementada”, é a “terceirização de serviços nos cartórios eleitorais”, descrita como “a execução, por terceiros, de atividades acessórias, instrumentais ou complementares”. Além das terceirizações, há outras duas medidas marcadas como “ainda não implementadas”, que se referem a “modernização de processos de trabalho dos cartórios eleitorais” e “Nacionalização e regionalização de serviços cartórios”. Também aparece a “criação de cargos para a Justiça Eleitoral”, esta marcada como “medida iniciada” com o envio, ao Congresso, do projeto de lei (PL) 4/2024. Esse PL, que aguarda tramitação na Comissão de Administração e Serviço Público (CASP), cria 474 cargos efetivos, 75 CJ-3 e 245 FC-6 na Justiça Eleitoral. Há, ainda, uma última medida elencada no documento, a “prorrogação das requisições daqueles servidores cujo prazo requisitório se encerrava no ano de 2023”, já implementada com a publicação da Resolução TSE 23.720, de 13 de junho de 2023, que prorrogou para 30 de junho de 2025 as requisições que se encerravam no ano de 2023.
Em relação à terceirização, as seguintes atividades são citadas como possíveis alvos:
Auxiliar no atendimento ao eleitor; |
Auxiliar na digitação de textos e planilhas, no preenchimento de formulários, na coleta de dados, no arquivamento de documentos; |
Auxiliar na preparação dos locais de votação; |
Auxiliar nos atendimentos às seções eleitorais; |
Auxiliar nos trabalhos de substituição e reposição dos suprimentos e componentes utilizados nas eleições; |
Auxiliar na emissão de boletim de urna; |
Auxiliar nos procedimentos de transporte, armazenamento e organização de materiais, equipamentos e mídias utilizadas nas eleições; |
Auxiliar na preparação e revisão dos equipamentos utilizados nas eleições; |
Auxiliar nos sistemas internos; |
Auxiliar nas comunicações que devam ser realizadas; |
Auxiliar na verificação dos prazos estabelecidos; |
Auxiliar em todas as fases dos treinamentos de mesários; |
Entre outras relacionadas à preparação das eleições. |
Algumas dessas atividades, em especial as diretamente relacionadas à preparação das eleições, já são, em grande medida, terceirizadas – por prazo determinado, restrito ao período eleitoral. Preocupa, no entanto, a possibilidade de que esse tipo de prática seja ampliada para tarefas que hoje seguem sendo feitas exclusivamente por servidores e servidoras concursados.
A partir dessa perspectiva, tanto para a terceirização quanto para as demais medidas sugeridas, a SGP solicitou que os tribunais regionais “compartilharem entre si as soluções que já estão em andamento ou as propostas que estão na fase de planejamento, visando à adesão das boas práticas por todos os órgãos da Justiça Eleitoral”.
Consequências graves para a democracia e para o serviço público
O avanço das terceirizações e de outras formas precárias de contratação no Judiciário pode gerar consequências graves. Para servidores e servidoras, a retirada de direitos e a piora nas condições de trabalho. Para a população como um todo, a ameaça à qualidade da prestação dos serviços. No caso da Justiça Eleitoral, fundamental para a democracia, o risco fica ampliado.
Os problemas em serviços terceirizados no próprio Judiciário são recorrentes. No final do ano passado, por exemplo, mais de mil trabalhadores que atuavam em 123 diferentes comarcas do Tribunal de Justiça de São Paulo ficaram sem receber salários após quatro empresas que prestavam serviços de segurança e limpeza darem calote. O caso do TJSP não é isolado e já teve similares no Rio Grande do Sul. Em janeiro de 2024, o Sintrajufe/RS noticiou que uma empresa que prestava serviços terceirizados à Justiça Federal do Rio Grande do Sul estava atrasando os pagamentos dos trabalhadores e trabalhadoras – salários e vales alimentação e transporte. O atraso foi de mais de dois meses.
Além da terceirização, temos vivenciado a ampliação de formas “alternativas” de contratação que vêm sendo utilizadas para cobrir buracos deixados pela falta ou insuficiência de concursos e nomeações. Um exemplo é o Programa de Residência Jurídica, voltado para pessoas que estejam cursando especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado ou, ainda, que tenham concluído o curso de graduação há no máximo cinco anos, com admissão por processo seletivo público, sem limite para o número de ingressos e com bolsa auxílio em vez de salário, com valor estipulado em cada órgão. No TRE do Maranhão, em 2023 foi feita seleção para residência jurídica com bolsa no valor de um salário mínimo e meio, o que à época representava R$ 1.980,00, equivalente, naquele momento, a 6,5 menos do que recebe um analista judiciário em início de carreira, e 4 vezes menos do que um técnico judiciário.
Fonte: Reportagem do Sintrajufe/RS