segunda-feira, 14 outubro, 2024
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Previsão de mudanças nas leis eleitorais são drásticas e perigosas

Os deputados Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) e Soraya Santos (PL-RJ) protocolaram, na última segunda-feira (2), na Câmara dos Deputados projeto de lei complementar (PLP 111/21) que faz ampla reformulação em toda a legislação partidária e eleitoral. O novo texto pode abarcar ainda a tese das federações partidárias.

O texto não prevê reserva de recursos para candidaturas de negros e mulheres, o que contraria decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o assunto.

A proposta é resultado de discussão promovida em grupo de trabalho da Câmara, sob relatoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI).

O texto propõe a criação de novo Código Eleitoral, unificando normas hoje “espalhadas” em outras legislações, como a Lei dos Partidos, a Lei das Eleições, o Código Eleitoral e a Lei da Inelegibilidade.

Mulheres, negros e indígenas
Segundo o monitoramento Representatividade de mulheres na macro reforma político-eleitoral de 2021, do movimento Freio na Reforma, a proposta tem 3 pontos de retrocesso (distritão, ausência de responsabilidade partidária e fim da multa aos partidos que não praticarem a quota para mulheres e disponibilização de recursos para as mesmas) e 7 pontos de avanços.

Dentre esses avanços, destaque-se a reserva de assentos progressiva de 18%, 22% e 30%, sendo que a última porcentagem está prevista para ser alcançada apenas em 2038.

“Para alguns, pode ser interpretado como um avanço, mas mundialmente falando, hoje, a média mundial já é 30%, o que significa que estamos caminhando para daqui 20 anos chegar na média mundial de hoje, quando a busca deveria ser pelos 50%, que representam a igualdade. É um grande atraso”, expõe opina Hannah Maruci, professora de ciência política na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Leia+

Quórum qualificado
Para as mudanças valerem para as próximas eleições, o projeto precisa ser aprovado até outubro deste ano. Projeto de lei complementar exige que pelo menos 257 deputados votem a favor, além da aprovação no Senado.

Nas versões preliminares, especialistas criticavam dispositivos da proposta por temerem retrocessos na transparência dos recursos públicos e na fiscalização das contas partidárias por parte da Justiça Eleitoral.

Leia declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre as discussões de mudanças na legislação eleitoral:

Os autores do projeto chegaram a retirar alguns desses pontos polêmicos, mas mantiveram trechos como a possibilidade de usar o fundo partidário para qualquer despesa e a liberação para que empresas privadas façam auditoria das contas partidárias — terceirizando o trabalho da Justiça Eleitoral.

Prescrição dos processos
Há ainda dispositivos que, segundo técnicos dos tribunais eleitorais, facilitam a prescrição dos processos.

Segundo Marcelo Issa, da Transparência Partidária, “retrocessos muito graves permanecem no texto” e diz que é “absurda” a tentativa de votar a reforma de forma tão rápida, com pouca ou nenhuma discussão da sociedade civil.

“Ajustes pontuais na legislação eleitoral são necessários, mas nós não podemos ter uma reforma ‘tsunami’, uma reforma que pode vir a alterar todo nosso sistema político em meio à pandemia quando as atenções das pessoas estão, com razão, voltadas para outros assuntos como o combate à pandemia”, disse. “Este assunto é importante, mas esse debate precisa ocorrer com mais calma, com mais transparência, com mais participação.”

Na justificativa para a apresentação do texto, os deputados afirmam que houve “contínuo diálogo” entre o grupo de trabalho na Câmara que trata do tema e as lideranças partidárias da Casa, o que deve garantir a aprovação “célere” da proposta.

“O apoio recebido dos líderes ao trabalho que se veio realizando mês a mês e a disponibilidade que mostraram para discutir os pontos politicamente sensíveis do projeto não apenas deram segurança aos membros do Grupo de Trabalho para a realização do empreendimento como propiciam, agora, ao fim do percurso, a confiança na aprovação célere do projeto, sem prejuízo do debate democrático que caracteriza todas as proposições emanadas da Câmara dos Deputados”, dizem.

Leia, abaixo, mais pontos do texto preliminar que já circulava entre os deputados no mês passado:

Pontos polêmicos. Leia algumas das mudanças mais significativas do projeto protocolado:

Uso do fundo partidário
O projeto lista série de despesas que podem ser pagas com recursos públicos do fundo partidário — como em propagandas políticas, no transporte aéreo e na compra de bens móveis e imóveis.

Prescreve, ainda, que a verba pode ser usada em “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido político”. Isso, segundo especialistas, abre brecha para que qualquer tipo de despesa seja paga com o fundo — desde helicóptero, a churrascos com chopp.

Fim do sistema próprio da Justiça Eleitoral
O projeto prevê que a apresentação dos documentos seja feita por meio do sistema da Receita Federal, não mais pelo modelo atualmente usado pela Justiça Eleitoral.

Técnicos afirmam que a mudança atrapalha as tabulações e os cruzamentos de dados feitos pela Justiça Eleitoral.

Prescrição de processos
A proposta diminui o prazo da Justiça Eleitoral para a análise da prestação de contas dos partidos de 5 para 2 anos, “sob pena de extinção do processo”.

Além disso, outro dispositivo permite que novos documentos sejam apresentados a qualquer momento do processo pelos partidos. Segundo técnicos da Justiça Eleitoral, ambas as mudanças facilitam a prescrição dos processos.

Teto para multas
A proposta estabelece teto de R$ 30 mil para multar partidos por desaprovação de contas desses. Hoje, a legislação prevê que a multa será de até 20% do valor apontado como irregular, o que segundo especialistas pode chegar na casa dos milhões no acumulado.

Além disso, o projeto prevê que a devolução de recursos públicos usados irregularmente pelos partidos deve ocorrer apenas “em caso de gravidade”.

Contratação de empresas
Permite que partidos contratem, com recursos do fundo partidário, empresas privadas para auditar a prestação de contas.

Isso, na visão de técnicos, “terceiriza” o trabalho da Justiça Eleitoral, que hoje faz o acompanhamento diretamente, sem intermediários.

Propaganda eleitoral negativa
Segundo a proposta, apenas propaganda eleitoral negativa irregular que contiver “acusações inverídicas graves e com emprego de gastos diretos em sua produção ou veiculação” estará sujeita à multa.

O dispositivo, segundo o Transparência Partidária, pode levar a aumento dos discursos de ódio e ofensas pessoais nas campanhas.

Competências
O texto permite que o TSE expeça regulamentos para fazer cumprir o Código Eleitoral, mas abre espaço para que o Congresso suspenda a eficácia desses normativos caso considere que o tribunal foi além dos limites e atribuições.

Inelegibilidade
A proposta estabelece que as condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade devem ser analisadas no momento de formalização do registro de candidatura. Depois desse período, qualquer alteração neste quadro, que possa vedar a candidatura de um postulante, não será levada em conta no julgamento do registro.

Crime de caixa 2
Institui o crime de caixa 2, que consiste “em doar, receber, ter em depósito ou utilizar, de qualquer modo, nas campanhas eleitorais ou para fins de campanha eleitoral, recursos financeiros fora das hipóteses da legislação eleitoral”.

A Justiça, no entanto, poderá deixar de aplicar a pena se a omissão ou irregularidade na prestação de contas for de pequeno valor.

Transporte de eleitores
O texto propõe a descriminalização do transporte irregular de eleitores. Pelo projeto, a infração passa a ser punida na esfera cível com aplicação de multa de R$ 5 mil a R$ 100 mil, sem prejuízo da possibilidade de ajuizamento de ação pela prática de abuso de poder.

Pesquisas eleitorais
Pelo projeto, as pesquisas realizadas em data anterior ao dia das eleições só poderão ser divulgadas até a antevéspera do pleito.

No caso de levantamentos sobre intenção de voto realizados no dia das eleições, a divulgação só será permitida, no caso de presidente da República, após o horário previsto para encerramento da votação em todo território nacional.

Para os demais cargos, a divulgação poderá ser feita a partir das 17h, no horário local.

O texto permite que Ministério Público, partidos e coligações peçam à Justiça Eleitoral acesso ao sistema interno de controle das pesquisas de opinião divulgadas para que confiram os dados publicados.

Além disso, caso a Justiça autorize, o interessado poderá ter acesso ao modelo de questionário aplicado.

Segundo a proposta, o instituto de pesquisa encaminhará os dados no prazo de dois dias e permitirá acesso à sede ou filial da empresa “para exame aleatório de planilhas, mapas ou equivalentes”.

O que foi retirado
Alguns dispositivos que constavam nas versões preliminares do relatório de Margarete foram retirados na versão final protocolada.

Entre esses, estava a retirada da divulgação obrigatória dos bens dos candidatos — o que poderia, por exemplo, dificultar o trabalho da imprensa e de entidades da sociedade civil, além de retirar o acesso dos próprios eleitores.

Outro dispositivo, que foi retirado, fazia com que os gastos de campanha fossem conhecidos apenas após a eleição.

Outras propostas
Além deste projeto, a Câmara se prepara para analisar proposta que trata de alterações nas regras eleitorais.

Sob a relatoria da deputada Renata Abreu (Pode-SP), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 125/11, do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) sugere a adoção do chamado distritão para 2022 — apesar de críticas de especialistas, para os quais o modelo é “o pior” possível.

Pelo distritão, são eleitos os candidatos mais votados individualmente, desconsiderando-se os votos recebidos pelas siglas. Pela proposta, seria uma transição para o distrital misto a partir das eleições seguintes. Essa proposta ainda depende de votação na comissão especial que trata do assunto e, em seguida, nos plenários da Câmara e do Senado.

A outra proposta analisada pelos deputados em comissão especial foi soterrada nesta quinta-feira (5). Trata-se da chamada PEC do voto impresso (PEC 135/19), pauta de aliados do presidente Jair Bolsonaro. O texto foi derrotado por 23 a 11. Vai ao arquivo. Mesmo que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para agradar ou fazer média com Bolsonaro, avoque a proposta para votação em plenário, o texto não logrará êxito. A votação na comissão é uma síntese do que pode acontecer no plenário. Se isso ocorrer serão derrotados Lira e Bolsonaro.

Reprodução: DIAP 

 

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