terça-feira, 9 dezembro, 2025
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Reforma administrativa tem lacunas sobre assédio e diversidade na liderança, dizem especialistas

Movimento Pessoas à Frente faz sugestões de mudança no texto com foco na promoção da equidade para mulheres no serviço público

A proposta de reforma administrativa em discussão na Câmara inclui o enfrentamento ao assédio sexual e moral no debate sobre a modernização do Estado. Na proposição, por meio de projeto de lei, o assédio moral e sexual, assim como racismo, homofobia e transfobia, passam a ser enquadrados como infrações graves, com a previsão de punições para as práticas. Para especialistas do Movimento Pessoas à Frente, o texto acerta ao reconhecer o problema, mas precisa avançar nas definições e penalidades.

No caso do assédio sexual, o texto da reforma ainda estabelece que a conduta poderá ser configurada como ato de improbidade administrativa, incluindo possibilidade de afastamento do acusado. A organização vê com cautela a escolha e considera que a solução pode gerar efeitos adversos para quem denuncia.

“É importante que haja mecanismos que punam os malfeitos, mas também que não haja a violação de dados sigilosos da vítima e o desgaste adicional de ela ter que passar por um processo de improbidade administrativa. É a partir desse ponto que a gente coloca que não é a melhor solução esse enquadramento”, afirma Eduardo Couto, coordenador de Conhecimento do Movimento.

A organização sugere que o assédio sexual seja tratado como infração disciplinar grave, com penalidades proporcionais, como a proibição temporária, por até cinco anos, de ocupar cargos em comissão ou funções gratificadas.

Ajustes também são defendidos na definição de assédio moral. Para Couto, o texto atual não acompanha integralmente “as melhores práticas” ao manter o escalonamento entre níveis leve, médio e grave, e ao exigir repetição ou intencionalidade da conduta para caracterizá-la, quando “não existem formas mais ou menos brandas de assédio no abstrato”.

A discussão ocorre em um cenário marcado pela baixa presença de mulheres nos espaços de poder da administração pública. As mulheres ocupam só 38% dos cargos da alta liderança do Executivo e apenas 27% nos postos de natureza especial, como secretarias executivas, secretarias especiais e subchefias, segundo pesquisa do Movimento.

“No governo federal, seis a cada dez mulheres sofrem assédio. Já há evidências que mostram que nesse último ano tem acontecido uma explosão de casos de assédio. Pesquisas da Organização Internacional do Trabalho mostram que esses números devem ser pelo menos cinco vezes maiores por conta da média de subnotificações. Se a gente está falando de mais mulheres e mais mulheres em posições de liderança, o tema do assédio precisa ter amplamente uma adesão”, afirma Jessika Moreira, diretora-executiva da organização.

Diversidade na liderança pública

O texto atrela a proporção de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança à composição dos quadros permanentes de cada órgão. Para o Movimento, a medida é “pouco ousada”. Especialmente em carreiras em que há menor presença de mulheres, a proposta pode acentuar a pouca a participação feminina. “O avanço potencial aqui é muito pequeno”, avalia Couto. A organização sugere metas de inclusão com prazos definidos e comissões de pré-seleção com paridade de gênero e diversidade racial.

O movimento defende que o texto incorpore mecanismos já previstos na Política Nacional de Gestão de Lideranças, elaborado pela organização neste ano, e que estabelece metas de diversidade e inclusão, além de instrumentos específicos para eliminar vieses e barreiras que impedem a chegada de mulheres aos cargos de liderança. A política prevê processos de pré-seleção estruturados, nos quais os candidatos devem ser avaliados de forma técnica, gerencial e política, garantindo que pessoas qualificadas concorram em condições equitativas.

Nesses processos, explica Couto, a lista de pré-selecionados deve observar paridade entre homens e mulheres e entre candidatos brancos, negros, indígenas e quilombolas. A ausência de paridade pode até ser aceita, desde que devidamente justificada pela falta de candidatas ou candidatos disponíveis, mas a regra funciona como estímulo à busca ativa por diversidade. Além disso, o próprio desenho das comissões responsáveis pela pré-seleção precisa ser diverso, evitando que grupos homogêneos, como bancas formadas apenas por homens brancos, reproduzam vieses e excluam candidatas.

O debate sobre liderança inclui ainda a forma como os cargos comissionados são distribuídos. A reforma toma como referência o teto de 5% de comissionados aplicado hoje na administração federal, mas o Movimento alerta que esse parâmetro não reflete as realidades estaduais e municipais. Os especialistas recomendam que os percentuais máximos sejam definidos com base em dados e evidências locais, a partir de parâmetros nacionais flexíveis, e acompanhados de incentivos positivos e negativos pelo cumprimento dessas metas.

A proposta também prevê que 50% dos cargos comissionados e 60% dos estratégicos sejam ocupados por servidores efetivos. Para a organização, é mais adequado priorizar processos seletivos abertos, capazes de ampliar diversidade, atrair profissionais mais qualificados e evitar restrições excessivas ao recrutamento.

Segundo os especialistas, que acompanharam os debates que antecederam a construção do texto da reforma administrativa, apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) em outubro, houve sinalização positiva da equipe técnica do grupo de trabalho responsável pela proposta da reforma para a sugestão de mudança aos parlamentares por meio de apresentação de emendas.

Foto/Crédito: Reprodução WEB

Fonte: Jota (reportagem de Luisa Carvalho)

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