Para sociólogo, lei de 2017 fez o contrário do que prometeu: enfraqueceu os sindicatos e exacerbou a relação individual de trabalho
Com algumas discordâncias em relação a objetivos e resultados, debate em torno da “reforma” trabalhista de 2017 (Lei 13.467) convergiu para a necessidade de revisão da lei, ainda que parcial. “Essa reforma entregou o país a uma produtividade espúria”, afirmou o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, ao ressaltar, mais de uma vez, a importância da negociação coletiva – o que não foi o caso da lei. “Países que fizeram processos de transformação pactuaram modelos de desenvolvimento”, destacou. Isso se deu, completou Clemente, por meio de acordos sociais em torno da produtividade e da distribuição de seus resultados.
O ex-diretor técnico do Dieese participou do debate promovido pela Fundação FHC, ontem (3), com o presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Dan Ioschpe, também vice da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O empresário afirmou que qualquer mudança, para funcionar, precisa de quatro pilares: tranquilidade institucional, equilíbrio de contas públicas, melhor distribuição de renda e sustentabilidade ambiental.
Quem negocia?
Ele considera que a reforma de 2017 teve aspectos importantes: “Era preciso começar algum tipo de modernização. Entre erros e acertos, tentou se atualizar”. Mas concordou que a lei “talvez tenha pecado” na questão da representação. Ou seja, dos interlocutores, dos negociadores das mudanças. Uma possível revisão da Lei 13.467 faz parte do debate da campanha presidencial. Há quem proponha a revogação pura e simples. As recentes mudanças na Espanha esquentaram o tema.
Nesse sentido, acentua Clemente, a lei fez o contrário do que foi anunciado. “Temos que transferir aos atores sociais as formas de regular as relações de trabalho. Então, a reforma trabalhista fez o oposto. Tirou o poder do sindicato e enalteceu a relação individual”, observou. No Brasil, acrescentou o sociólogo, as iniciativas legais parecem sempre caminhar para excluir a representação sindical. Ele citou o exemplo da recente Medida Provisória (MP) 1.108, que regulamentou o teletrabalho (home office) sem previsão de negociação coletiva: “O sindicato está fora desse jogo regulatório”.
Desigual e precário
Assim, observou ainda Clemente, a reforma consolidou um mercado de trabalho desigual e precário, sem levar em conta a heterogeneidade de sua estrutura. Além disso, “consolidou a destruição do sistema previdenciário brasileiro”. Hoje, grande parte das pessoas que trabalham não tem qualquer proteção social, trabalhista ou previdenciária. “Temos que criar um sistema de proteção que seja universal e resultado de uma repartição oriunda da negociação.”
Essa “mudança estrutural”, como diz o representante do Fórum das Centrais, precisa considerar também o tamanho das empresas no Brasil. Segundo Clemente, as micro, pequenas e médias empresas concentram 60% dos empregos, mas apenas 10% da produtividade. Assim, a organização sindical precisa ampliar sua base de representação. Ele criticou uma das alterações impostas pela lei, a exclusão dos sindicatos das homologações contratuais. Até então, a presença do sindicato era obrigatória quando o empregado tinha mais de um ano de casa. “Tirar o sindicato das rescisões expõe o trabalhador a risco, estimulando um tipo de fraude que infelizmente está presente em um momento dramático, que é o da rescisão.”
Mais diretrizes, menos detalhes
Dan Ioschpe observou que a “reforma” fez cair o número de processos trabalhistas. “Temos uma legislação em geral muito complexa. E a insegurança jurídica está em geral associada a um detalhamento exagerado”, disse o executivo, pedindo “mais diretrizes, menos detalhamentos na lei”. Já a representação sindical – tanto dos trabalhadores como patronal – é “bem-vinda”, segudo ele, desde que “bem fundamentada, bem constituída, democraticamente obtida”. Clemente salientou que as entidades de trabalhadores também são contra a “judicialização” e defendeu mecanismos de solução de conflitos nos próprios locais de trabalho.
Quase no final, o diretor geral da Fundação FHC, Sergio Fausto, quis saber qual o grau de mudança da Fiesp, com nova direção após quase duas décadas. Ioschpe, que também integrou a gestão anterior, se esquivou como pôde: “O que tem que nos orientar é a mesma visão do Iedi, do desenvolvimento socioeconômico. O que ocorre é que não vamos achar caminhos fáceis e únicos. Por outro lado, a gente precisa de uma agenda razoavelmente simples”.
Escrito por: RBA
Foto/Crédito: Ana Volpe/Agência Senado (Creative Commons – imagem licenciável)