Dispositivos aprovados em 2019 por amplo entendimento político estão ameaçados por pressões corporativistas no STF
Aprovada em 2019 após debates que se arrastaram por décadas, a reforma da Previdência Social resultou de um amplo entendimento político para alterar a Constituição e tornar mais sustentável o sistema nacional de aposentadorias. Agora, cinco anos depois, os frutos de todo esse trabalho estão sob ameaça corporativista no Supremo Tribunal Federal.
Está por ser finalizado o julgamento conjunto de 13 ações contra dispositivos da reforma, ajuizadas sobretudo por entidades da elite dos servidores públicos, com perda potencial de astronômicos R$ 497,9 bilhões em dez anos para as já combalidas finanças do Estado brasileiro.
A análise havia sido interrompida em junho por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e será retomada pelo plenário. Já votaram 10 dos 11 magistrados, e há maioria para a derrubada de três pontos fundamentais da reforma —os votos ainda podem ser mudados até o fim do julgamento.
Um dos casos é a previsão de contribuição extraordinária de servidores ativos e inativos, que pode incidir sobre vencimentos acima de um salário mínimo.
Outro é a diferenciação do cálculo do valor das aposentadorias de mulheres entre os regimes público e privado. A reforma previu critério menos vantajoso no caso das servidoras, mas a maioria dos ministros do STF votou para que as regras sejam as mesmas —sem considerar que o sistema público, analisado em sua integralidade, é mais generoso.
O principal risco diz respeito à progressividade da alíquota de contribuição do funcionalismo federal. Pela reforma, a cobrança varia de 7,5%, para vencimentos de um salário mínimo, a 22%, para remunerações acima de R$ 52 mil mensais. Nesse tema, há empate de 5 a 5, estando pendente o voto de Gilmar Mendes.
Até 2019, a alíquota era de 11%, patamar insuficiente para custear o sistema público, que é altamente deficitário e ainda oferece condições desiguais ante os trabalhadores do setor privado. A progressividade da cobrança também passou a valer para o regime geral, com taxas diferentes.
O impacto da reversão desse dispositivo nas contas da União pode chegar a R$ 300 bilhões em dez anos, um retrocesso grave que eliminaria quase 40% da economia obtida com a reforma. Espera-se que o STF tenha em mente que a progressividade é um princípio correto, que se assenta na busca por maior equidade social. Não há controvérsia moral ou jurídica, por exemplo, em torno de sua aplicação na cobrança do Imposto de Renda.
É crucial, sobretudo, que os magistrados —eles próprios servidores de elite— mantenham o interesse público acima de afinidades corporativistas.
Mesmo após a reforma, o sistema de aposentadorias continua muito deficitário. Com o envelhecimento populacional, serão necessários ajustes contínuos, a incluir também os militares, e retrocessos só elevarão a necessidade de sacrifícios no futuro.
Foto/Crédito: Ag. CNJ
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/11/retrocesso-na-reforma-da-previdencia-e-insustentavel.shtml